Will, gênio do marketing
Tem até uma certa lógica: o Will foi um sujeito sempre muito bem sucedido durante a sua vida profissional. Ao contrário do brasileiro que "faz teatro" mas não explica bem como, Shakespeare não dependia nem do equivalente elizabetano da Lei Rouanet nem dos favores de ninguém - se bem que uma mãozinha de um duque ou conde durante uma superprodução não caísse mal, e ele puxou devidamente - mas de muito leve - o saco de alguns. E pelo menos no fim da vida ele era não só um autor e diretor bem sucedido como o dono do teatro - e um bom teatro. E as casas dele em Strattford são bem grandinhas - devem ter custado muitas pistolas e dobrões e tal.
E o modelo de produção dele era bem econômico, sem dividir nem a glória nem o dinheiro com ninguém. Assim mais ou menos como filme do Orson Welles: "Othello - Uma Superprodução de William Shakespeare. Escrito por William Shakespeare, adaptado de um roteiro original de Bill Shakespeare. Dirigido por William Shakespeare, produzido por William Shakespeare, estrelado por William Shakespeare, Bill Shakespeare, Bill S., W. Shakespeare, William S., B. Shakespeare e grande elenco (secundário). Efeitos Especiais: William Shakespeare. Trilha Musical: Maestro W. Shakespeare. Estréia sexta no Globe - William Shakespeare, Proprietário".
No Oscar, o homem seria imbatível.
Mas isso só não chega, e passo a palavra ao Professor Doutor Micalba:
"Antes das nossas pesquisas arqueológicas, diversas pistas já apontavam para o fato de William Shakespeare ter sido um executivo de marketing que virou escritor e homem do entretenimento:
- Ele se vestia com apuro mas um pouco de espalhafato, e usava um brinquinho.
- Ele ganhava uma nota.
- Ele ficou conhecido como o autor original de um monte de coisas que ele não escreveu, mas meramente adaptou.
- Ele fez um sucesso danado na sua época, e continua fazendo por cinco séculos.
- Ele fez da vida dele um mistério, com um monte de rumores pipocando aqui e ali.
- Quando uma fórmula dava certo e a inspiração andava curta, ele fazia uma seqüência: Ricardo II, Ricardo III, Henrique IV Parte I, Henrique IV Parte II (Gênio!), Henrique V, Henrique VI Parte 1, Parte 2 e Parte 3 (Gênio superlativo - inventou também a trilogia), Henrique VIII.
- Mesmo considerando o inglês arcaico, Shakespeare é facilmente memorizável, pela "música" - como, aliás, qualquer bom jingle ou slogan.
Finalmente, existem as evidências retiradas de sua própria obra. Analisemos o famoso "Discurso do Dia de São Crispim", do Henrique V. Num só monólogo o rei consegue fazer desejável e mesmo atraente uma seta nos pulmôes, uma lançada no tórax ou uma pedrada nos miolos, desde que o preço sejam quinze minutos (ou oito séculos) de fama. Marketing puro. Isso sem falar no fecho, uma versão do conhecido tema "compre ou você será um idiota", ou, nas palavras dele:
-"And gentleman in England now a-bed
Shall think themselves accursed they were not here;
And hold their manhoods cheap,
Whiles any speak"...
Perfeito. Mas a mais forte pista está na frase:
Then shall our names,
Familiar in his mouth as household words
(...)
be in their flowing cups freshly remembered.
(King Henry V. Act iv. Sc. 3).
Ou seja: a meta mais almejada de qualquer publicitário. Mais ainda que transformar a marca do cliente uma household brand, fazer dela um household word. Household brands são aquelas marcas que passaram a dispensar apresentação e propaganda: Coca-Cola, Gillete, Johnson&Johnson, Pirelli, Leite Moça (ou Milkmaid Brand, fora daqui). Household word é o Nirvana de uma Household Brand, mas o ponto é um só: é definitivamente coisa de publicitário. Isso sem contar que "be in their flowing cups etc" vende tudo: refrigerante, cerveja, vinho, álcool Zulu, gasolina.
E sem contar também os chamados "anos perdidos" - mais ou menos de 1584 a 1591 - quando ninguém sabe direito o que o Bardo andava fazendo.
E foi assim que com uma substancial verba de Fundação Micalba para Assuntos Aparentemente Inúteis mas no Fundo Interessantes começamos nossa pesquisa de campo, e depois de meses de escavação localizamos debaixo do banheiro subterrâneo da Estação de Waterloo (ou seja, In the Loo under Waterloo) os arquivos de uma empresa de publicidade até hoje desconhecida, a Shakespeare, Ogivly & Mendonça. O Shakespeare todos sabem quem foi, os Ogivly parecem que ainda continuam no ramo, e os Mendonça eram cristãos-novos inescrupulosos e mercenários que ganhavam dinheiro fazendo propaganda para os jesuítas. Parece que um descendente emigrou para o Brasil.
Mas o ponto crucial estava documentalmente comprovado: Shakespeare foi mais um publicitário que deu certo. E então começamos a encontrar explicações inéditas e convenientes, e mais evidências inéditas - ou seja, novas respostas para velhas perguntas.
Um monte de bobões sempre se perguntou como Shakespeare foi tão prolífico, e chegou a inventar que parte da sua obra fora escrita por outros. Ridículo. Como qualquer publicitário pode dizer, tem de ser uma idéia por hora e um slogan por minuto - ou o cliente não paga.
Além do mais, Will aproveitava seus sucessos publicitários em suas peças - outra descoberta inédita.
Vejamos: Em 1588 Shakespeare foi contratado por J. Doe Publican, o dono de um pub chamado "Sun" em York. As vendas do pub caíam dramaticamente durante o inverno, e a empresa foi contratada para remediar a situação. Will criou um slogan imortal:
"Now is the winter of our discontent
Made glorious summer by this "Sun" of York"
Cinco anos mais tarde - em 1593 - ele aproveitou o slogan em Ricardo III.
E dentre os Sonetos encontramos outros exemplos flagrantes, como a campanha encomendada por Jane Doe Midgins para seu "Tônico da Eterna Juventude e Beleza":
"Herein lives wisdom, beauty, and increase;
Without this folly, age, and cold decay"
E a campanha para os Cofres e Baús Absolutamente à Prova de Tudo, da Quince&Snug&Snout Ltd.:
"Thou best of dearest, and mine only care,
Art left the prey of every vulgar thief.
Thee have I not lock'd up in any chest,"
(But - of course - in a Quince&Snug&Snout Ltd. Anything Proofed Patent Chest)
E os exemplos podem continuar até o infinito."
E tomando a palavra de volta do Professor Doutor, nada como um concurso para estimular as vendas.
Assim, contribua com outro exemplo e concorra a um exemplar de Henry V - edição popular, of course.