20.11.06

Will, gênio do marketing

E finalmente a revelação do Professor Doutor Micalba, PHD em Literatura Inglesa e M Sc. em Pintura em Porcelana, e Lente de Corte e Costura Quântica da Universidade Livre e Saltitante de Monte dos Cabaços (Alentejo): recentes descobertas históricas explicam o eterno sucesso de William Shakespeare - o Will é mais um caso de executivo de marketing que foi bem sucedido no campo da literatura.

Tem até uma certa lógica: o Will foi um sujeito sempre muito bem sucedido durante a sua vida profissional. Ao contrário do brasileiro que "faz teatro" mas não explica bem como, Shakespeare não dependia nem do equivalente elizabetano da Lei Rouanet nem dos favores de ninguém - se bem que uma mãozinha de um duque ou conde durante uma superprodução não caísse mal, e ele puxou devidamente - mas de muito leve - o saco de alguns. E pelo menos no fim da vida ele era não só um autor e diretor bem sucedido como o dono do teatro - e um bom teatro. E as casas dele em Strattford são bem grandinhas - devem ter custado muitas pistolas e dobrões e tal.

E o modelo de produção dele era bem econômico, sem dividir nem a glória nem o dinheiro com ninguém. Assim mais ou menos como filme do Orson Welles: "Othello - Uma Superprodução de William Shakespeare. Escrito por William Shakespeare, adaptado de um roteiro original de Bill Shakespeare. Dirigido por William Shakespeare, produzido por William Shakespeare, estrelado por William Shakespeare, Bill Shakespeare, Bill S., W. Shakespeare, William S., B. Shakespeare e grande elenco (secundário). Efeitos Especiais: William Shakespeare. Trilha Musical: Maestro W. Shakespeare. Estréia sexta no Globe - William Shakespeare, Proprietário".

No Oscar, o homem seria imbatível.

Mas isso só não chega, e passo a palavra ao Professor Doutor Micalba:

"Antes das nossas pesquisas arqueológicas, diversas pistas já apontavam para o fato de William Shakespeare ter sido um executivo de marketing que virou escritor e homem do entretenimento:

- Ele se vestia com apuro mas um pouco de espalhafato, e usava um brinquinho.
- Ele ganhava uma nota.
- Ele ficou conhecido como o autor original de um monte de coisas que ele não escreveu, mas meramente adaptou.
- Ele fez um sucesso danado na sua época, e continua fazendo por cinco séculos.
- Ele fez da vida dele um mistério, com um monte de rumores pipocando aqui e ali.
- Quando uma fórmula dava certo e a inspiração andava curta, ele fazia uma seqüência: Ricardo II, Ricardo III, Henrique IV Parte I, Henrique IV Parte II (Gênio!), Henrique V, Henrique VI Parte 1, Parte 2 e Parte 3 (Gênio superlativo - inventou também a trilogia), Henrique VIII.
- Mesmo considerando o inglês arcaico, Shakespeare é facilmente memorizável, pela "música" - como, aliás, qualquer bom jingle ou slogan.

Finalmente, existem as evidências retiradas de sua própria obra. Analisemos o famoso "Discurso do Dia de São Crispim", do Henrique V. Num só monólogo o rei consegue fazer desejável e mesmo atraente uma seta nos pulmôes, uma lançada no tórax ou uma pedrada nos miolos, desde que o preço sejam quinze minutos (ou oito séculos) de fama. Marketing puro. Isso sem falar no fecho, uma versão do conhecido tema "compre ou você será um idiota", ou, nas palavras dele:

-"And gentleman in England now a-bed
Shall think themselves accursed they were not here;
And hold their manhoods cheap,
Whiles any speak"...

Perfeito. Mas a mais forte pista está na frase:

Then shall our names,
Familiar in his mouth as household words
(...)
be in their flowing cups freshly remembered.
(King Henry V. Act iv. Sc. 3).


Ou seja: a meta mais almejada de qualquer publicitário. Mais ainda que transformar a marca do cliente uma household brand, fazer dela um household word. Household brands são aquelas marcas que passaram a dispensar apresentação e propaganda: Coca-Cola, Gillete, Johnson&Johnson, Pirelli, Leite Moça (ou Milkmaid Brand, fora daqui). Household word é o Nirvana de uma Household Brand, mas o ponto é um só: é definitivamente coisa de publicitário. Isso sem contar que "be in their flowing cups etc" vende tudo: refrigerante, cerveja, vinho, álcool Zulu, gasolina.

E sem contar também os chamados "anos perdidos" - mais ou menos de 1584 a 1591 - quando ninguém sabe direito o que o Bardo andava fazendo.

E foi assim que com uma substancial verba de Fundação Micalba para Assuntos Aparentemente Inúteis mas no Fundo Interessantes começamos nossa pesquisa de campo, e depois de meses de escavação localizamos debaixo do banheiro subterrâneo da Estação de Waterloo (ou seja, In the Loo under Waterloo) os arquivos de uma empresa de publicidade até hoje desconhecida, a Shakespeare, Ogivly & Mendonça. O Shakespeare todos sabem quem foi, os Ogivly parecem que ainda continuam no ramo, e os Mendonça eram cristãos-novos inescrupulosos e mercenários que ganhavam dinheiro fazendo propaganda para os jesuítas. Parece que um descendente emigrou para o Brasil.

Mas o ponto crucial estava documentalmente comprovado: Shakespeare foi mais um publicitário que deu certo. E então começamos a encontrar explicações inéditas e convenientes, e mais evidências inéditas - ou seja, novas respostas para velhas perguntas.

Um monte de bobões sempre se perguntou como Shakespeare foi tão prolífico, e chegou a inventar que parte da sua obra fora escrita por outros. Ridículo. Como qualquer publicitário pode dizer, tem de ser uma idéia por hora e um slogan por minuto - ou o cliente não paga.

Além do mais, Will aproveitava seus sucessos publicitários em suas peças - outra descoberta inédita.

Vejamos: Em 1588 Shakespeare foi contratado por J. Doe Publican, o dono de um pub chamado "Sun" em York. As vendas do pub caíam dramaticamente durante o inverno, e a empresa foi contratada para remediar a situação. Will criou um slogan imortal:

"Now is the winter of our discontent
Made glorious summer by this "Sun" of York"

Cinco anos mais tarde - em 1593 - ele aproveitou o slogan em Ricardo III.

E dentre os Sonetos encontramos outros exemplos flagrantes, como a campanha encomendada por Jane Doe Midgins para seu "Tônico da Eterna Juventude e Beleza":

"Herein lives wisdom, beauty, and increase;
Without this folly, age, and cold decay
"

E a campanha para os Cofres e Baús Absolutamente à Prova de Tudo, da Quince&Snug&Snout Ltd.:

"Thou best of dearest, and mine only care,
Art left the prey of every vulgar thief.
Thee have I not lock'd up in any chest,"

(But - of course - in a Quince&Snug&Snout Ltd. Anything Proofed Patent Chest)

E os exemplos podem continuar até o infinito."

E tomando a palavra de volta do Professor Doutor, nada como um concurso para estimular as vendas.

Assim, contribua com outro exemplo e concorra a um exemplar de Henry V - edição popular, of course.

A difícil arte de bundar

Passei o fim de semana bundando - o que para os paranaenses é um conceito meio complexo e incompreendido, já que eles costumam confundir bundar com pastar.
Nada mais diferente: pastar consiste em não fazer absolutamente nada ou fazer coisas desagradáveis, vazias e às vezes deletérias. Já bundar consiste em fazer coisas agradáveis com um mínimo de esforço físico ou intelectual. O praticante da bundagem - esta difícil arte - deve passar o dia lendo coisas leves mas agradáveis (ler Agatha Christie ou Conan Doyle, por exemplo, é bundar; ler Paulo Coelho é pastar); assitindo filmes idem (Ernst Lubitsch e Frank Capra são os diretores por excelência da boa bundagem, com Henry Hathaway num honroso terceiro lugar), e se dedicando a atividades que não gastem mais do que trinta calorias por hora: podar as roseiras, cozinhar, levar o cachorro até na esquina para fazer xixi.
Escolhi para a minha literatura bundal um dos grandes expoentes do gênero: dois livros do Peter Mayle.Os livros do Mayle são material de bundagem por excelência: escritos corretamente, descrevendo um lugar idílico que se parece com um real mas que só existe daquele jeito na cabeça do autor, e cheios de descrições apetitosas de pratos da cozinha provençal. Descem direitinho, como um Chateaunef du Pape correto mas sem pretensões à grandeza.
Foi aí que me bateu uma curiosidade não intelectual, mas bundal: de que buraco saiu o Peter Mayle? E eu me sentei no computador e acessei o instrumento preferido do tiete intelectualóide, a Wikipedia.
A tietagem atinge qualquer um, do gênio ao idiota. A diferença é que os gênios admiram gênios maiores do que os dele, e os idiotas os superlativos da sua própria categoria. Por outro lado, enquanto a tietagem idiótica tem uma fértil mídia - o programa da Luciana Gimenez, a revista Caras e uns dez outros programas de televisão e trinta jornais ou revistas noticiam o teor exato de SO2 do último pum da Cicarelli - o tiete intelectual tinha que se contentar com a última biografia do Richard Ellman, a Encyclopaedia Britannica ou o Oxford Dictionary of National Biography. A Wikipedia mudou isso tudo: os espaços dedicados aos obscuros costuma ser maior do que aos conhecidos, e tem informação sobre gente que você nem imaginava.
Foi assim que eu descobri que o Mayle é um caso arquetípico dentre os artistas de hoje: um ex-publicitário que resolveu escrever. Aparentemente noventa por cento dos filmes de hoje são dirigidos por ex-publicitários, os livros são escritos por ex-publicitários, as músicas são compostas e cantadas por ex-publicitários, as meninas do Bordel da Tia Chupa sonham em ser executivas de marketing quando crescerem - e atrizes de cinema uns anos mais tarde.
Mas é impossível não concordar que um sujeito que passou algumas décadas empurrando coisas absolutamente inúteis no público incauto pode ser muito mais eficiente do que um leigo quando resolve vender uma coisa realmente feita com carinho, ainda que a coisa não seja tudo aquilo que ele apregoa. Vá lá: é difícil não gostar de Blade Runner, e nem a assistir a Top Gun sem ter a vontade de comprar um F 14 Tomcat e levar a Kelly Mc Gillis (ou o Tom Cruise e o Val Kilmer para as gatinas) de brinde. Ou, por acaso, ler os livros do Peter Mayle e não ter a vontade de pegar o próximo vôo para Marselha e o táxi seguinte para a Provença.
Os livros do Mayle são a melhor brochura de viagem que alguém jamais escreveu. Quem já não viajou para um "paraíso ensolarado" e ficou sete dias tomando chuva? Ou descobriu que Paris é linda mas os parisienses são um saco? Ou viu que o interior daquele lindo castelo irlandês foi pintado pela última vez no tempo de Cromwell e limpo quando a Rainha Vitória subiu ao trono (pouco antes, incidentalmente, do proprietário ter tomado o último banho)? Ou que o acervo artístico italiano é realmente fabuloso - pelo menos depois que alguém passar o aspirador de pó e você conseguir enxergar alguma coisa.
Mas na Provence de Mayle as coisas estão no melhor dos mundos possíveis, e um bocado de gente acreditou nisso - tanta gente, na verdade, que os provençais ficaram putos quando as suas últimas vilas reclusas foram invadidas por turistas usando A Year in Provence como guia de viagem. Mayle vendeu sua mitológica casa e passou quatro anos morando em Nova Iorque - para depois voltar para a Provence sob o manto do anonimato.
O simples fato de um cara - e inglês, ainda por cima - ter de se mudar para New Argh revela a seriedade da coisa. O Micalba viveu por seis meses em New Argh por necessidade profissional (coincedentemente, poucos meses depois de sua fase fashion, que é absolutamente verdadeira mas encarada com incredulidade por alguns leitores) e com absoluta sinceridade - sem querer ofender os newagrhers - New Argh está na mesma categoria do que Pururubicum, Sertão de Pernambuco, e Tracunhanhenhém, Alagoas, como prioridades geográficas para uma vida futura. Dá para presumir que foi um exílio forçado.
Mas agora ele está de volta à Provence, num "lugar secreto" - como se isso existisse hoje. Ou será que continua escondido em New Argh e tudo não passa de uma jogada de marketing?

PS: Depois de escrever este log, recebi um telefonema do Professor Doutor Micalba, PHD em Literatura Inglesa e M Sc. em Pintura em Porcelana, e Lente de Corte e Costura Quântica da Universidade Livre e Saltitante de Monte dos Cabaços (Alentejo). O Prof. Dr. me revelou uma descoberta bestial - que vai ficar para amanhã.

17.11.06

Micalba Fashion

Acreditem ou não, por um felizmente curtíssimo período da vida dele o alter ego do Micalba viveu no mundo da moda.

Foi por acaso: ele trabalhava na falecida INTERBRAS quando foi inexplicavelmente colocado no setor que cuidava da exportação de sapatos, principalmente para os EUA. Foram seis meses longuíssimos, até que alguém com uma mínima noção de administração providenciou uma transferência.

Depois da experiência fashion o alter foi transferido para o setor de rações e equipamentos militares, isso no auge da guerra Irã-Iraque. Como nós brasileiros somos um povo pacífico e cordato, vendíamos indiscriminadamente para os dois lados - era só pagar.

Mas o ponto não é esse: é que eu achava mil vezes mais inofensivos aqueles militares do que o povo dos sapatos. E mesmo trabalhando hoje só com assassinos, ladrões e estupradores eu acho que fiz uma boa barganha. E olha que o meu envolvimento foi mais do que periférico - nada do tipo "O Diabo veste Prada".

Posso dizer uma coisa de peito aberto: de todas as pessoas que conheci durante a vida aqueles designers e modelos e gente de marketing eram as mais histéricas, fúteis e fátuas.

Desse tempo sobrou um profundo desprezo do mundo da moda e o meu hábito de comprar sapatos caros mas cujo design tenha pelo menos oitenta anos e que durem pelo menos sete ou oito anos. A minha forma muda de protesto é fingir que eu uso os mesmos sapatos todos os dias (na verdade, são três pares diferentes mas parecidíssimos).

Uma compensação possível poderiam ser as modelos - mas as excessivamente magrelas nunca me interessaram. Naquele tempo eu recebi a visita de um amigo irlandês que veio passar três semanas e acabou ficando oito meses, e para falar a verdade foi ele quem se especializou nas modelos. Por minha vez eu me fixei num alvo que eu julgo bem mais interessante - as irmãs das modelos.

A irmã de modelo típica era quase tão bonita quanto a irmã mais famosa, tinha os quilinhos certos a mais nos lugares idem, e normalmente era bem interessante intelectualmente, quando nada por antítese - alguém na casa tinha que pensar em outra coisa que não o espelho.

Outra coisa que me marcou no mundo da moda foi a falta de imaginação de gente que supostamente deve viver da criatividade.

Todo o mundo sabe que dentro de um universo limitado a moda é cíclica - a cada dez ou doze ou vinte anos as tendências são ressuscitadas. O problema é que o período não passa disso: ninguém ousa reviver uma tendência realmente antiga, e nos últimos quatro mil anos a Humanidade já vestiu um bocado de coisas esquisitas.

Ninguém se lembra por exemplo de ressuscitar a toga - mas com os meus quilinhos a mais eu adoraria sair por aí segurando uma dobra no braço, para mostrar que não tinha que ocupar a mão com algum trabalho menial. Aliás, para os romanos calça era coisa de bárbaro.

Há uns anos atrás tentaram fazer voltar à moda na Inglaterra o dandismo, e as revistas in estavam cheias de retratos de caras vestidos de personagens de Dickens ou Jane Austen: uns casacões longos, camisas bufantes, etc. Mas eu só consegui ver na rua um sujeito vestido daquele jeito, um pooftah flamejante que parecia ser escravo da última tendência. E o efeito ao vivo era decepcionante: parecia uma propaganda ambulante de Johnny Walker.

Por outro lado, alguns revivals deram certo: depois dos horrorosos anos 70 (quando todo o mundo da foto parecia estar vestido de palhaço) os 80 trouxeram de volta os ternos dois botões com cara de terno (inspirados, eu arrisco, na elegância de Cary Grant ou James Stewart dos filmes do Hitchcock relançados em 80 e poucos). Nos anos 90 o pessoal avançou dos anos 50 para os 60 e ressuscitou o três botões do Frank Sinatra e do Rat Pack.

E algumas modas femininas dos 80 deixaram saudades: os soutiens rendados com uma blusa transparente por cima, os cabelinhos curtíssimos e arrepiados ou aplastados com gel, deixando à mostra uma zona erógena fascinante e normalmente subestimada da anatomia feminina: a nuca. Hoje com toda aquela cabeleira lisa e basta o sujeito tem que usar um facão e uma corda para chegar até a penugem da nuca.

Mas o que não se pode negar é que tudo entra e cai de moda, inclusive na política. Acompanhe os resultados das eleições em países decentes e com raríssimas exceções o que se observa é um efeito dominó: hoje se usa esquerda, amanhã direita, depois centro-esquerda, etc. Como todo novo milênio, o Século XXI começou meio confuso: os ingleses estão usando direita com cara de esquerda, os franceses direita com cara de esquerda.

Já a América Latina tem uma tendência própria mais dominante: agora o último grito são os populistas de esquerda. O problema é que os tecidos são meio vagabundos e já começam a se desgastar: agora todo o mundo já sabe a que o Lula veio, a Bachelet já foi pega com a boca na botija, o Kirchner só pensa em eleger a mulher, o Chaves ressuscitou a antiquíssima moda de proibir árvore de natal. Breguíssimo.

O que me leva ao problema em si: a velha alternância entre dionisíaco e apolíneo. Se uma década é de tendências espalhafatosas, na outra impera a sobriedade: a discreta elegância dos anos 50 veio depois dos ternos exagerados e das zoot suits dos anos 40, os 80 foram uma reação aos 70. O feio é que em política latino-americana a sobriedade normalmente é encarnada num ditador, que costuma vestir uma farda antiquadíssima e cafona. Melhor ressuscitar a toga.

16.11.06

Mais (ou Menos) um

O Milton Friedman finalmente bateu com o rabo na cerca, aos 94 anos.

As últimas palavras dele:

"Não existem enterros grátis".

Carne magra

Depois que o tarado descobriu que estava com o colesterol alto, começou um regime infalível: só comia modelo.

Esta é uma piada infame mas versátil: você pode substituir "tarado" por "canibal" - as calorias são as mesmas.

15.11.06

Acredite, se quiser

O Jack Palance morreu esta semana. Fazia parte de uma escola de feios talentosos, que infelizmente só conseguiam normalmente papel de vilões: o expoente máximo é o meu ídolo Charles Laughton.

E bastou isso para uma emissora nacional (acho que foi a BAND) anunciar que pretende exibir "Acredite, se quiser" outra vez. Mas agora a concorrência será terrível: a Marlene Matos convidou a Rosinha Garotinho para apresentar um programa de televisão. Como "Acredite se quiser" já é marca registrada (se bem que não sei se os Garotinho ligam para essas coisas) sugiro como título "Duro de Engolir".

Como combinar num mesmo show de televisão intolerância religiosa, ignorância, populismo e corrupção?

Uma idéia é fazer um quadro chamado "A Fogueira da Rosinha". Toda semana a produção escolhe um incréu candidato a virar churrasco por sua impiedade: um cientista ateu ou agnóstico, um praticante de uma religião mais tolerante e avessa ao proselitismo - um espírita ou budista ou adepto do candomblé - e a Rosinha e um júri de fundamentalistas crentes condenam o candidato à fogueira.

E a corrupção? Simples: se você ligar para a hot line do programa e fizer uma doação substancial, ela esquece tudo e deixa como está.

14.11.06

Novas versões para velhas canções

Cante conosco a nova versão de "Matilda" do Harry Belafonte:

"Marisa, Marisa,
Marisa, she take me money and run Venezuela
(Repeat chorus, etc)

Well the money was to buy them house and land
But she made her husband President
Marisa, she take me money and run Venezuela
(Repeat Chorus, etc)

One Hundred Million Grand we had
And it would make me sleep in a quieter bed,
But...
Marisa, she take me money and run Venezuela
(Repeat Chorus, etc)".

13.11.06

Ex dentibus ensis

Meio da madrugada, dois filhos e um cachorro e a Sra. Micalba se mexendo na cama e cutucando este escriba, e o sono se foi. Acabei achando um filminho bem despretensioso mas bem divertido: Two Men Went to War. Baseado em fatos reais, conta a história de dois dentistas do Exército Britânico que resolvem invadir sozinhos a França dois anos antes do Dia D - e se dão bastante bem.
O filme acabou e o sono não veio, e então a Operação Hellman's começou, e o Micalba viajou na maionese até o sono chegar. O tema era: a dor-de-dente como fonte de inspiração. Considerando os escritores que usaram a própria dor-de-dente como motor, talvez o pessoal da Saúde Pública deva esquecer aquela história de colocar flúor na água.
O problema com a literatura desses dias talvez seja que a dor-de-dente e mesmo as cáries são duas coisas praticamente extintas, e de quebra todo o mundo com menos de cinquenta anos tem um sorriso perfeito - todo o mundo usa aparelho por pelo menos dois anos, até os cachorros. Meu periquito está num procedimento de correção ortobíquica depois que descobriu que tem um maxilar inferior ligeiramente retraído.
O Micalba chegou aos 45 com todos os dentes originais, sem tratamento de canal e sem nunca precisar de usar aparelho, o que talvez explique sua mediocridade como escritor - eu deveria ter comido muitos doces e jogado a escova e o fio dental fora anos atrás.
Mas vamos aos exemplos concretos:
A primeira idéia veio porque eu tinha acabado de ler Filth, do Irvine Welsh -o cara do Trainspotting. Muito pós-moderno, cheio de balõezinhos no meio do texto, escrito em dialeto escocês e cheio de rhyming slang. Mas depois de ler sobre o policial em crise existencial e com uma coceira no rabo, me lembrei que já tinha lido isso antes - foi em Money, do Martin Amis, onde a coceira no rabo é substituída por dor-de-dente, o que ainda era OK porque Money é da década de 80 - quando a dor-de-dente ainda era aceitável. E considerando que o Martin Amis á apesar de todo o esforço um baita filhinho de papai, imagine o que o Kingsley não faria com um molar cariado ou com uma raiz infeccionada.
E nos clássicos da dor-de-dente temos alguns gigantes, pelo menos três dos meus preferidos: James Joyce e o seu alter ego Stephen Dedalus viviam reclamando dos dentes podres, Cabrera Infante não só reclamava como dedou que o Fidel Castro usa dentadura, e mais de um personagem de Guimarães Rosa tinha a cara inchada de dor-de-dentes. A citação pensada, salvo engano, é de "Corpo Fechado", no Sagarana.
E outros: a Prima Luísa do "Primo Basílio" do Eça vai chumbar uns dentes no Vitry, e o Coronel herói de guerra condecorado arquetípico do Jung em "Man and his Symbols" tem medo de dentista.
E dentre os menores (bem, dentre os não-maiores) tem o Rubem Fonseca, que tem um personagem exterminador (dentre tantos) obcecado com higidez odontológica, e mais o Mandrake d'A Grande Arte, que fica reparando nos dentes do garçom marido da garota de programas.
Talvez o que o mundo literário precise é de mais dor-de-dente. Ou dor-de-dentes, o que pode levar a um paroxismo de inspiração.
O que leva ao título do artigo, "Ex dentibus ensis". Apareceu no filme, e é o lema do RADC - Royal Army Dental Corps. o Corpo Dentário do Exército Real. Traduzido pelo personagem do filme, o lema vira"Dos dentes, vem a coragem". Uma tradução mais acurada seria "Dos dentes, uma espada"; ou, com mais precisão, "Dos dentes, uma arma branca", já que a rigor "espada" seria vetida como "gladium". Bugger all, ou como diz o Irvine, ou, em puro rhyming slang, Aylesbury (para rimar com Aylesbury Duck, ou com ...ck): o relevante é o novo lema, Ex dentibus stilus: Dos Dentes, a Caneta. Traduzindo: Dos Dentes, a Inspiração.

Na barriga do Monstro

Do Gushiken-San hoje na "Folha": "O PT pode virar o ovo da serpente".
Um dos grandes understatements da História: eu pelo menos já me sinto no bucho da jibóia há quatro anos - amassado, babado e semidigerido.
Por outro lado, se ele tiver razão, imagina só o Boitatá faminto que vem por aí.

Você conhece mesmo o Micalba?

Na falta de assunto, responda: o que o alter ego do Micalba tem em comum com os seguintes personagens históricos:
- Demóstenes
- Marco Túlio Cícero
- Manoel da Nóbrega, S.J.
- Theodore Roosevelt
- James Stewart

10.11.06

Je vous salue, gran mere Marie

Comemoração do aniversário do Guinness: os italianos tentaram bater o recorde mundial de pizza, os sul-africanos tentaram a maior aula de hidroginásica do mundo, os japoneses a maior cerimônia do chá, os canadenses a maior reencenação de "Thriller" do Michael Jackson (e o maior festival de pedofilia?).
Enquanto isso, os franceses tentaram quebrar o recorde mundial de beijos.
O Micalba é 25% francês. Pour la grâce de Dieu.

9.11.06

James Bundão

Saiu o novo James Bond, e o 007 está nauseantemente politicamente correto: parou de fumar, bebe moderadamente (nada de drinques antes de dirigir) e só traça uma Bond girl por filme. Depois do Jaime Bunda do Pepetela (aquele português metido a angolano que é um grande filho da puta na vida pública e um bom escritor na existência privada) chegou a vez do James Bundão. E se fosse pelas neo-patrulhas ideológicas, iria ser pior: tem gente que acha o termo Bond girl depreciativo, mas acha Bond women aceitável - por enquanto.
O charme do personagem era justamente ter nervos de aço, pulmões à prova de alcatrão, fígado de titânio endurecido, príapo de granito e licença para matar - o mais perto disso que alguém chegou até hoje foram os políticos brasileiros, que só têm licença para roubar. Como personagem de ficção que deu certo, deveria ser deixado em paz - mas o pessoal do PC não deixa. No meu tempo quem não distinguia a ficção da realidade era chamado de paranóico e ia para o hospício; hoje com um pouquinho de esforço a pessoa acaba chefiando um ministério.
E se console que ainda vai ficar pior: o Micalba teve acesso ao script do próximo filme, Ex-007 and the Endangered Species, e adianta para os seus leitores alguns excertos:

Sinopse: Bond é mandado por M para deter o psicopata internacional L. Ignatius CaraDiManga, o Homem da Pistola de Kevlar. CaraDiManga é procurado pela INTERPOL, o MI6 a CIA, o SIS e o GS-9 por se recusar a reciclar o lixo, destruir a camada de ozônio com seus gases intestinais, jogar bitucas acesas em área de preservação e fazer xixi na nascente do rio Waigunga. Como o MI6 descobre que CaraDiManga pretende assassinar um dos últimos exemplares de Corujas do Rabo Quase Preto Mas Meio Manchadinho, decide colocar Bond no encalço do facínora.

Cena 2 - O tradicional briefing entre M (que agora é mulher e encarnada pela Judi Dench) e Bond:
- Good Morning, Two Four Seven.
- 247?
- Receio que as licenças para matar tenham sido canceladas: o New Labour se arrependeu amargamente de ter ido atrás do Bush no Iraque e agora está mais politicamente correto do que nunca. Sua nova licença é para dissuadir com argumentos politicamente corretos, se possível racionais. O que é muito mais difíil do que enfrentar trinta homens com metralhadoras armado apenas com um canivete suíço, mas receio que seja um sinal dos tempos. Sua missão...

Cena 8 - Bond recebe de Q os gadgets necessários ao desempenho da missão:
- Antes de mais nada, 247, devolva a Walther. Seu próximo equipamento deve ser PC.
- E o que eu devo usar para me defender?
Q entrega a Bond uma enorme caixa fechada, que o agente abre sofregamente:
- O Manual da Redação do New York Times e da Folha de São Paulo e os últimos números do New Statesman?
Q dá de ombros:
- Melhor do que nada. Em último caso, enrole os exemplares e dê uma jornalada no agressor. Mas lembre-se, 247: o papel é reciclável, e jogar papel fora é a causa da morte de inúmeras árvores inocentes. Tente mandá-lo para a Usina de Reciclagem nas melhores condições possíveis. E por favor não se esqueça: agora é Mumbai e não Bombaim, Myanmar e não Burma, Cocanha e não Brasília. E Mohammad e não Maomé, ou seria Mohamad.... esqueci . Mas vamos ao principal.
(Q descobre uma lona que oculta um automóvel)
- Seu novo carro, o Aston Martin Virgin Branson. Duas placas coletoras de energia solar de alta captação, baterias de mínimo consumo de água com trinta e seis horas de duração, virtualmente sem emitir nenhum resíduo poluente ou ofensivo à camada de ozônio. Atinge uma velocidade máxima de quarenta quilômetros por hora morro abaixo...
- Quarenta quilômetros? Como eu vou fugir dos meus perseguidores?
- Really, 247! O limite em áreas urbanas é de 40 km/h, e além do mais lembre-se de só circular com o carro nos dias permitidos pelo rodízio.
- E as outras coisas? Mísseis, assento ejetável, óleo na pista...
- Óleo na pista? Sabe quanto tempo a natureza leva para reabsorver combustíveis fósseis? Assento ejetável? Sem air bag e sem pára-quedas para o ocupante? E se ele caísse e morresse, o quanto não iríamos gastar com advogados? Mísseis! Indeed. Numa estrada pública e pedagiada! You must be dreaming, 247...

Cena 15 - Bond encontra sua parceira, a Agente Ann Mautner:
- Hullo. Mrs. Ann.
- Mrs. não, Miss. Pensando bem, Miss pode ser discriminatório: melhor Massa. Massa não, é racista. Que tal Ann X? Não, tem um tom exclusivamente étnico. Talvez...
- Oi, Ann.
- Quem te deu tamanha liberdade ?
- Bem, nós temos antes de mais nada que desmascarar CaraDiManga e...
- Por que os homens sempre presumem que chegaram antes? Por que sempre tentam se imiscuir em terrenos tradicionalmente femininos? A primeira agente secreta sempre foi mulher, e os homens se infiltraram nessa atividade predominantemente feminina e...

Cena 51 - A tradicional pausa para o drinque.
- Bartender! Um açaí- cupuaçu. Shaken, not stirred.
- ?
- Um terço de dose de açaí, uma e um terço de polpa de cupuaçu, quatro pedras de gelo. Lots of vitamins A, B, C, D...
- Shit, mate. That's the most nauseating thing I've heard in years.
- Ok, uma Perrier. Pensando melhor, não: as fontes de água gasosa vem sendo esgotadas por exploradores inescrupulosos e... Bem, uma Bollinger. Não, tenho que dirigir depois. Uma Coca Cola... não, ianque demais. Uma IRN BRU... não, propaganda enganosa. Uma...
- Desculpe, é a minha hora do almoço. Quem sabe até as três da tarde você resolve?


Cena 54 - O Fim. Showdown. Bond finalmente confronta CaraDiManga e derrota vinte e dois capangas armados até os dentes com apenas um exemplar do Manual de Redação da Folha e os Conselhos do Ombudsman para a Redação Não Ofensiva. O penúltimo adversário é o perverso anão maligno Tootoo, que a produção PC chama de Pessoa Verticalmente Diferenciada Com Tendências Não Exatamente Sociáveis Tootoo, e que ataca Bond com uma lança-mísseis, enquanto Bond só pode se defender com um exemplar do Livro Neutro e Incolor dos Pensamentos de Bill Clinton. Finalmente, Tootoo é derrotado e 247 e CaraDiManga travam o diálogo derradeiro:
- Sua hora chegou, CaraDiManga!
- E o que você vai fazer, 247? Me esfaquear com esse jornal enrolado? Veja a figura patética em que você se transformou.
- Patética? Continuo sendo o defensor do Mundo Livre. dos Alimentos sem Gorduras Trans e sem Glúten, dos Estimulantes sem...
- Oh, have a heart. Patético.
- Tudo bem. Às vezes me pego pensando: porque você odeia tanto as Corujas do Rabo Quase Preto Mas Meio Manchadinho?
- Já acordou às 5:15 da manhã com as malditas aves fazendo "Tiu, tiu, piu piu"? Se eu pudesse exterminaria toda a espécie.
- Sabe, CaraDiManga, esse seu ar másculo... Essa sua careca viril... Essa pistola enorme... E tudo o que me resta é uma explosão inútil de violência, agora que tudo o mais se foi...
- No fundo, 247, eu sinto isso também...

E no próximo episódio, não perca a substiuição das Bond girls pelos Bond gays.

8.11.06

Merdre, alors!

Como dizia o Pére Ubu: Merdre, alors! O Goncourt desse ano foi para o romance "Les Bienveillantes", um tijolão de 903 páginas escrito por Jonathan Littell, nascido em... Nova Iorque!
Ou seja: enquanto o Bush declarou guerra às batatinhas fritas a uns anos atrás porque os yanks as chamavam de french fries, os franceses entregaram o seu prêmio literário mais prestigiado a um americano. Civilização é outra coisa.
Aliás, globalização também: o Goncourt foi para um americano, o Booker Prize para uma indiana, o Taj Mahal foi desenhado por um italiano, Colombo é um herói espanhol mas era italiano também, o Evo Morales é boliviano (ou inca venusiano) mas é presidente da PETROBRAS. Será que dá para importar um presidente legal?

Aw, Shite!

E o Micalba não vai falar nada do resultado das eleições? Não. Se eu fizer alguma piada, o "escada" vou ser eu mesmo. Tanto no meu estado como no meu país (para alguém que usa as maiúsculas como o Lula emprega o plural, é mesmo proposital). Em síntese, se eu rir enquanto estou sendo enrabado a conclusão mais lógica é de que eu estou gostando.
Então, vou deixar o Robbie falar - e eu sempre fui fã do Robbie, que bebeu e namorou até morrer cedo. O nome oficial do poema é "Is There For Honest Poverty", mas todo o mundo conhece por "A Man's A Man For A' That".
Se vocês acham o inglês estranho, tudo bem: não é inglês, mas dialeto escocês. E eu não vou traduzir nem explicar: se o tradutor não é a mais antiga das profissões, é pelo menos o filho da mais velha profissional. E como disse E. B. White (um novaiorquino gente boa que dentre outras coisas escreveu Stuart Little, o que qualquer pai de dois filhos pequenos aplaude - kudos para ele, como dizem os yanks), explicar uma piada é como dissecar um sapo -ninguém se interessa e o sapo morre durante o processo. Mas com pouco esforço dá para entender - e gostar.

Agora, com a palavra Robbie Burns:


"Is there for honest poverty
That hangs his head, an' a' that
The coward slave, we pass him by
We dare be poor for a' that
For a' that, an' a' that
Our toil's obscure and a' that
The rank is but the guinea's stamp
The man's the gowd for a' that

What though on hamely fare we dine
Wear hoddin grey, an' a' that
Gie fools their silks, and knaves their wine
A man's a man, for a' that
For a' that, an' a' that
Their tinsel show an' a' that
The honest man, though e'er sae poor
Is king o' men for a' that

Ye see yon birkie ca'd a lord
Wha struts an' stares an' a' that
Tho' hundreds worship at his word
He's but a coof for a' that
For a' that, an' a' that
His ribband, star and a' that
The man o' independent mind
He looks an' laughs at a' that

A prince can mak' a belted knight
A marquise, duke, an' a' that
But an honest man's aboon his might
Gude faith, he maunna fa' that
For a' that an' a' that
Their dignities an' a' that
The pith o' sense an' pride o' worth
Are higher rank that a' that

Then let us pray that come it may
(as come it will for a' that)
That Sense and Worth, o'er a' the earth
Shall bear the gree an' a' that
For a' that an' a' that
It's coming yet for a' that
That man to man, the world o'er
Shall brithers be for a' that".

Duas observações:

O negrito é meu.

Bom, a garganta desentalou.

6.11.06

As plantas, essas piranhas masoquistas.

Outra reportagem discriminatória da Folha contra o novo Sexo Frágil: "Jardinagem atrai cada vez mais homens". Mais uma mulher metida a esperta (daqui a pouco a Anna Mautner mete o bedelho e nos expulsa também do jardim) comentando sobre nossa incursão canhestra nos jardins, e dando uns palpites tortos. Porcas sexistas!
Bom, se vou defender nosso lado não esperem tanta convicção como naquele log que Ma Chére Tante Nina Horta reproduziu na coluna dela: para começar, minhas convicções não são tão fortes assim. Tenho certeza que os homens inventaram a cozinha, mas quanto à jardinagem existem dúvidas: aparentemente enquanto nós saíamos para caçar elas começaram a jogar umas sementinhas no solo para ver no que dava, e a Agricultura saiu daí, com a jardinagem como consequência. Em verdade nós só estávamos preocupados em achar o ponto exato do filé de Carnossauro, enquanto elas já pensavam no acompanhamento - ponto para elas.
Mas nós logo tomamos a Agricultura delas, e construímos a atual civilização a partir disso - pensando duas vezes, devíamos ter deixado elas tomando conta para depois por a culpa nas inventoras.
E na jardinagem nós também não nos saímos mal - já ouviu falar num cara chamado Andre le Nôtre? Pois é, ele desenhou os jardins de Versailles. E Burle Marx? (o sexto dos Irmãos Marx: Karl, Groucho, Harpo, Chico, Zeppo e Burle). E os Jardins Suspensos da Babilônia? Será que foram desenhados e cuidados por mulheres? Duvido.
Por outro lado, a jardinagem... Sou um jardineiro amador convicto, mas me reconheço canhestro e ignorante. Devo me curvar?
Não sei. Comprei a minha casa (e os 700 m2 de jardim) de um PHD e MSc. em Agronomia, casado com uma anglo-irlandesa - e melhorei o jardim. Um dia eles me fizeram uma visita, e eu disse que o meu segredo (o jardim estava bem mais viçoso) eram as receitas da vovó. Mas como eu não tenho tanta fé em princípios herdados, devo revelar que as máximas da minha avó são:
- Se nascer, trate. Se morrer, desista.
- Se nascer, se gabe. Se morrer, ponha a culpa no solo ou no clima.
- Se nascer mas encroar, culpe o clima.
- Esterco, muito esterco.
So much para a ciência - o que é contrário aos princípios masculinos por excelência.
Mas no caso concreto eu não sei. Enquanto os segredos culinários têm explicações físicas ou químicas perfeitas (veja um livro popular, O que Einsten disse ao seu Cozinheiro), o mundo secreto das plantas só é revelado aos Iniciados. Mas eu definitivamente não sou um deles. Por outro lado, os ex-proprietários da minha casa deveriam ser - mas o meu jardim é mais bonito.
Seja como for, em jardinagem é inútil procurar o conforto da literatura especializada. Na cozinha funciona bem: depois de um certo tempo o leitor discriminante consegue espremer o máximo de qualquer livro de culinária. Por outro lado, os livros de jardinagem se dividem em duas categorias:
- Jardinagem para Débeis Mentais
- Jardinagem para Físicos Nucleares
Exemplo do primeiro: "As plantinhas gostam de luz, água e solo. Jogue a sementinha na terra, regue bem e ponha sob a luz".
Exemplo do segundo: "A Passiphlora Cannibalis necessita de uma cova de 63X42 toesas albanesas cúbicas de profundidade e luminosidade equivalente a 76.2355465465 Roentgens. Durante o preparo (entre a undécima primeira e octagésima terceira hora considerando o meridiano de Hyderabad) faça o preparo colocando 1.89765876 milésimos de onças setswanas de adubo J2D6G5H2SO8 por micronésimo de solo, isso se o PH do solo for superior a 5.0973587687. Caso contrário, consulte a tabela".
Fora isso, resta partir para o esoterismo e conversar com as plantas.
O que é adorável, politicamente correto e inofensivo - em princípio. Por outro lado, Adolf Hitler era vegetariano e defensor dos direitos dos animais, e Churchill bebia, fumava e caçava raposas. Aliás, o Mandela também caça. Melhor ponderar.
Quando o Micalba era criança ele conviveu com o Seu Antoninho, um português tranquilo e filosófico que conversava com as plantas e os insetos. Como o Seu Antoninho tinha matado a mulher e picado o corpo com um machado, o Micalba cresceu equilibrando as coisas - nesses tempos, pior para ele. Seja como for, Seu Antoninho fazia declarações de amor aos pés de alface e ao mesmo tempo insultava e depernava - no caso concreto, acho que é a palavra certa - cada inseto que se imiscuísse entre ele e o o objeto do seu desejo. Era mal-me-quer, bem-me-quer - com as pernas do bichinho.
Por outro lado, fiz uma descoberta científica definitiva: é verdade que as plantas gostam de conversa. Mas também é verdade que elas não gostam de ser agradadas. As plantas não passam de umas piranhas masoquistas.
Descobri isso quando fiz uma rockery: plantei umas cinco ou seis espécies, tratei a pão de ló e nada ia para a frente. Um dia cansei de toda aquela paparicação vegetal e disse alto na frente delas:
- Vou arrancar isso tudo e plantar hera.
Uma semana depois estava tudo florido.
Também tem o caso dos meus álamos. Plantei um dentro de casa, e adubei, e reguei, e elogiei... e ele continua mirrado. Já o outro que plantei na calçada (debaixo da fiação, o que não foi muito inteligente) é mijado pelos cachorros, podado pelo pessoal da COPEL, raspado pelos maus motoristas. Está lindo - e muito maior do que o primeiro.
Portanto, converse com as plantas, mas seja bruto, rude e insultuoso:
- Acho bom crescer logo, sua vagabunda! E ficar bem floridinha, porque senão a foice está aí para isso mesmo.
E não se esqueça de colocar uma máscara de couro e distribuir umas chicotadas nas folhas mais sensíveis de vez em quando. Elas adoram.

O Comissário Micalba e a campanha "Jutucurundu - Referência Nacional"

Sob as ordens do Comissário Micalba a Agente Ernestina infiltrou-se na Ford Models e gravou o seguinte diálogo entre as modelos:

- Quem é aquela?
- A Barbie Armkronleuchter. (Modelo brasileira sem nome alemão não é modelo brasileira)
- Mas como? Aquela mulher pesa uns duzentos quilos!
- É, ela teve que engordar para uma campanha.
- E a pele dela... era tão bonita... Está horrorosa, lotada de espinhas! Parece o Himalaia!
- É, ela teve que comer trinta barras de chocolate por dia. Eles queriam alguém com bastante acne.
- E as celulites... Ela não tinha nenhuma!
- É, eles mandaram ela fazer uma lipoexpiração.
- Lipoexpiração?
- O contrário da lipoaspiração. Injetaram doze quilos de banha Sadia nas coxas e no abdômen dela.
- E os dentes dela! Metade caiu!
- Caíram não, ela arrancou. Exigência deles.
- Mas ela é louca! Como ela vai continuar trabalhando assim?
- Loucas somos nós. A Barbie foi contratada pelo Duda Goebbels para fazer o papel de mulher do povo nas próximas propagandas do PT. Vai faturar cinco por cento do Mensalão e mais uns trocados que sobraram do dossiê.
- Onde fica a Kopenhagen mais próxima?

Jutucurundu - Terra de Gente Feia

O Micalba já navegou pelos sete mares e rodou bastante, e sempre achou o jutucurundense um povo bastante bonito - se bem que ele repare principalmente nas mulheres. Aqui tem mulher bonita para todos os gostos: loiras, morenas, negras, orientais, mestiças (o que para o jutucurundense significa uma mistura de japonês com ocidental), mulatas. E de todas as idades: não raro duplas de mãe e filha são um espetáculo à parte, e espero que as mulheres possam ver a mesma coisa do outro lado.
Mas a prefeitura petelha não deve achar o mesmo: a cidade anda cheia de outdoors duma campanha chamada "Jutucurundu - Referência Nacional", com as fotos dos modelos mais feios que o Micalba já viu em muito tempo (como eu disse, Jutucurundu normalmente é um refresco para os olhos). Passada a perplexidade de descobrir afinal de contas em que Jutucurundu é referência nacional - depois que os petelhos assumiram o moral das tropas cidadãs por aqui anda mais baixo do que barriga de cobra - veio a segunda pergunta: aonde eles contrataram tantos estrupícios?
Se o Micalba fosse ingênuo poderia pensar que são as tais "pessoas do povo em poses espontâneas", mas o alter ego dele já entrou numa empresa de publicidade daqui uma vez e descobriu que literalmente todo o "povo" das propagandas petelhas era formado por atores amadores de cidades da vizinhança - o povo de verdade era perigoso, porque os bebês costumavam vomitar nos candidatos e os adultos podiam resolver dizer umas verdades. E aliás, quem além dos petelhos acha que modelo para fazer papel de povo tem que ser feio? Quando eu digo que no geral acho os jutucurundenses um povo bonito, isso independe de classe social: dê uma olhada para as caixas de supermercado, a atendente do guichê, a policial e você vai encontrar mulheres - e homens - bonitos. A frentista do posto de gasolina da esquina é uma bela duma morena.
Porque então os petistas acham que alguém com cara de povo tem que ser feio? Só tenho uma resposta: é como se eles se olhassem no espelho.
Veja as petistas de alto escalão: fora a Martaxa, que tem cara de boneca inflável de Sex Shop da Boca do Lixo, o resto é só pau de matar urubu. Madrileña Chutaí, Marina Silva, Dilma Roussef, Angela Guadagnin, Luciana Genro. Quanto tribufú! (Aquela gauchinha gatinha não vale; ela é comunista e não petelha).
E os homens, então? Hors concours. Como disse o Nelson Motta na época da descoberta do mensalão, nenhum deles faria feio num cartaz de "PROCURA-SE". Fora o Lula e o Zé Dirceu com aquele jeitão deles de bicheiro cada vez mais bem sucedido, o resto é de uma feiúra uniforme de arrepiar os cabelos do saco do Lombroso. O cara que inventou a tal da "beleza interior" ou o outro do "belo vem de dentro" erraram por pouco. É mais o contrário.