11.12.06

Porque me ufano

Caso você ignore, há um sentido em ser brasileiro - significa que seus ancestrais foram expulsos de todos os países decentes do mundo e acabaram aqui. Novo Velho Mundo é isso aí, caso você não saiba.
Ontem a Folha de São Paulo publicou uma reportagem sobre um grupo de kamikazes que se encontra em São Paulo. Pela lógica, kamikaze vivo é a escória da categoria - os muito bons se esborracharam contra um navio americano ou britânico, e os medíocres foram abatidos no caminho. Piores do que os nossos kamikazes, só alguns que emigraram para o Paraguai - eu espero.
Agora a fúria dos ufanos recai sobre o tal "TURISTAS", um filmeco B que eu ainda vou ver numa madrugada insone daqui a uns meses. A reclamação é que a imagem do Brasil é distorcida: mulatas, bundas, mulher bonita, praia, criminalidade, gente falando espanhol. Ora, se aqui não é assim eu ando lendo os jornais e revistas do país errado, porque entre a bunda da Cicarelli e a última da Gimenez não existe muita diferença do roteiro. E o Evo Morales e o Chavez falam espanhol (deviam falar algum obscuro dialeto indígena, ficava mais bacana e coerente) e mandam no pedaço. Quanto à criminalidade, já estou no sexto toca CD´s, fui assaltado à mão armada duas vezes, e até me considero um sortudo. E calar a boca dos que reclamam da lenda do tráfico de órgãos é facílimo: é só dar uma gruja para o pessoal que fez "Central do Brasil" que os outros calam a boca.
Um dos mitos mais infantis da esquerda é a honestidade do povo brasileiro. Qualquer coisa esquecida aqui por cinco minutos se foi para sempre, e mesmo que você pergunte para quem com certeza levou só vai ganhar um sorriso maroto de volta. Quem devolve alguma coisa de valor por aqui vira manchete de jornal, tal a raridade. Já me levaram na cara dura alguns itens monogramados, e não importa a classe social dos frequentadores da espelunca que você frequenta - todo o mundo rouba um pouquinho, é quase um hobby nacional.
Até agora só conheço dois itens seguros: livros e óculos de grau. Os livros ninguém leva, e os óculos geralmente também não - se bem que no caso de óculos escuros a devolução costuma ser bem posterior, quando o mão leve fica com dor-de-cabeça por causa das lentes de grau. E por duas vezes eu ainda tive que escutar os que devolviam reclamarem da enxaqueca. Eu juro.

4.12.06

Urucubaca

Depois de uns dias sumido, o Micalba está de volta. Quem dera que o desaparecimento fosse por boas razões, como dar um pulo na Holland&Holland para gastar o prêmio da Hiper Mega Super Sena, ou ir à Convenção Anual da Fundação Micalba de Apoio à Linda Ninfomaníaca Desamparada. Que nada: fui levar um respirador artificial para o Velho Micalba em Belo Horizonte, e na volta aproveitei para levar a Sra. Micalba para fazer um check-up em São Paulo.
Até os trinta e quatro anos eu só fui a um hospital para fazer duas cirugias, de amídalas e apêndice. A farmácia era um lugar que eu frequentava esparsamente, principalmente em busca de desodorante, preservativos e remédios para ressaca. De médicos, só as médicas, e se fossem bonitas.
Daí por diante tudo mudou: de 1995 para cá, tenho passado religiosamente pelo menos um mês por ano rondando ou um hospital ou um consultório: primeiro foi a Mama Micalba, depois eu, depois o Velho Micalba, eu outra vez, o Velho Micalba de novo, a vez Mama Micalba, e o Velho Micalba no replay. Agora até a Sra. Micalba - que é um lustro mais nova do que este escriba - entrou na dança. Por outro lado, a Vovó Micalba está com 95 e não entra num hospital faz décadas - já não se faz mais gente como antigamente.
Bom, se a vida te der um limão e você for um otimista de pouca imaginação, faça dele uma limonada. Mas muito melhor é fazer uma caipirinha, ou um daiquiri.
Assim, elaborei o Guia Micalba de Convivência com a Máfia de Branco, com as seguintes dicas para enfeitar a vida do frequentador de hospitais, farmácias e consultórios:
- Hospital não é convento, e algumas médicas, enfermeiras e atendentes são bem interessantes. Além disso, os uniformes são um fetiche legal, especialmente as meias de nylon brancas.
- Se você gosta do estilo Marguerite Gautier, algumas doentes também dão um bom caldo, e ainda por cima estão fragilizadas e, portanto, mais fáceis. A não ser que o seu fetiche seja necrofilia ou você pretenda inspirar um roteiro de novela mexicana, seriado americano ou filme da sessão da tarde, evite as em fase terminal. Por razões de segurança, também passe longe da ala de doenças contagiosas. (Um leitor desse blog é especialista na matéria, e pode te dar umas dicas.)
- Se você frequentar sempre o mesmo estabelecimento, a farmácia pode vir a ser o seu novo bar preferido. Faça um galanteio à farmacêutica, dê um oi ao velhinho comprando Viagra, discuta com o caixa o resultado do futebol. Torne-se um conoisseur: discuta os laboratórios, os efeitos dos medicamentos, as dosagens. Pelo menos fica social.
- Bom, no setor gastronômico é que não existe praticamente nenhum consolo. A refeição típica de hospital tem frango ao molho de protetor solar, bolinhos OPEP (Objetos Pequenos, Esquisitos e Perigosos), arroz superlativamente branco, uma gosma multicolorida e insossa - bom, costuma ser doce - de sobremesa, e néctar SNI (Suco Não Identificado) para acompanhar. O máximo que posso fazer é passar a receita de um coquetel para os momentos de desespero:

CTI Sling
Ingredientes:
Uma dose de álcool medicinal
Um copo de néctar SNI
Uma bolsa de gelo
Uma comadre ou papagaio
Um metro de sonda uretral (de preferência sem uso) ou tubo de soro

Modo de fazer:
Coloque o álcool, o SNI e a bolsa de gelo na comadre ou papagaio. Se estiver usando uma comadre, mexa com uma seringa usada ou um abaixador de língua. Se for um papagaio, tape a boca com a mão e agite bem. Faça da sonda uretral ou do tubo de soro um canudinho e aproveite.