31.10.10

Já que o Serra é tão religioso...

... penitência por ter posto areia na candidatura do Aécio: Duas mil Ave-Marias e mil Pai-nossos - ajoelhado no caroço de milho.

O AMANTE PORTUGUÊS (Para o Miguel Pereira, o João Acabado, o António Pacheco, o Manoel Viana, a Turma do Santo Huberto e meus outros amigos d’além mar)

Nosso charme é mesmo meio inexplicável -
por Bordalo, o mais charmoso de todos.
A trêfega moçoila (oriundi, lógico) falava piscando os olhinhos dos namorados italianos, e o Micalba só pensava: Ragazza, espere até conhecer um português e você muda de idéia. Descendentes incluídos, lógico.
A fama dos italianos como grandes amantes vem em grande parte da autopropaganda, graças principalmente àquele boquirroto, o Casanova. Quem o Casanova comeu ou deixou de comer sabemos pela boca do próprio, e aposto que muita dama do Século das Luzes praguejou quando as “Memórias” saíram do prelo:
- Porco zio! Io nunca tive nada com ele, a não ser uma brochada stupenda! Mascalzone!
Isto jamais aconteceria com um português porque, antes de mais nada, somos discretíssimos: nossa boca é um túmulo, e nunca mencionamos o nome de nossas amadas e amantes numa roda de amigos - nem ao melhor amigo, quanto mais nas nossas memórias.
Pelo contrário, nossa fama é antes histórica: por mais modestos que tentemos ser, a honra e glória de nossas façanhas horizontais sempre transparece – ainda que façamos tudo para ocultar o que melhor fazemos, com engenho e arte.
Vejamos, por exemplo, o Sargento-Mor*1 Palheta, o galante pica-doce que contrabandeou para o Brasil as primeiras mudas de café. As ditas mudas foram obtidas da mulher do Governador Geral da Martinica, e o Palheta – um 007 luso-brasileiro do século XVIII - não precisou nem de Aston Martin nem de Walther PPK nem de Vodka-Martini para concluir a missão. Bastaram o charme, a classe, a graça e o savoir-faire com os quais a natureza nos dotou – e a francesa entregou a ele em mãos as primeiras mudas de café brasileiro num buquê. E olha que o Palheta tinha 57 anos quando cumpriu a missão, e o Viagra ainda não tinha sido inventado. Haja engenho, e haja arte.
E temos os irmãos Bandeira, José e Antônio, cúmplices de Artur Virgílio Alves Reis no Golpe do Século – a falsificação de milhões de cédulas de escudos pela própria casa impressora inglesa que emitia a moeda portuguesa, nos anos 30 do século passado. Tanto Antônio quanto José eram sedutores incorrigíveis (e sinceros, que é o que nos distingue): Antônio passou na cara quem quis e quem não quis, até se casar com um a portuguesa – que as suas ex-amantes acharam gordinha, sem-graça e vulgar. Mal sabiam elas que para satisfazer um português, só uma portuguesa (ou descendente, insisto) – nossa antítese orgástica.
Para essas invejosas, nada resta a dizer senão AAAAAHHHHHUUUUUMMMM – e roam-se de despeito.
O irmão do Antônio, José, foi perseguido a vida inteira por Fie Carelsen, a maior estrela do cinema holandês da primeira metade do século XX. Fie foi sincera o bastante para declarar que teve muitos amantes, namorados e coisa e tal – mas como o José, ninguém. Mesmo quando ele saiu da prisão, pobre e decadente, Fie e ele trocavam juras de amor eterno –ainda que os dois se mantivessem à distância. Ou, como dizemos rudemente nas colônias: amor de pica, fica.
O caso mais recente é o do tripeiro*2 anônimo por quem a J. K. Rowling se apaixonou (antes de se casar, óbvio; hoje, não ousamos pronunciar uma sílaba do nome dela). O gajo foi visitado, paparicado e presenteado com insistência,  mas no fim teve que dizer à escocesa que infelizmente conhecera entrementes uma cachopa, também tripeira como ele, que os dois iam se ajuntar e que ela se consolasse com os seus 2 bilhões de libras (4 de dólares, para quem não sabe fazer contas) e os seus royalties, porque ele ia fazer outra coisa da vida – e foi. Dizem que na época a J. K. ficou inconsolável, e coou café na calcinha e fez outras mandingas que aprendeu em Hogwarts para ver se o seu rico português permanecia por perto, mas o gajo foi-se mesmo – e alvíssaras para ela; que seja feliz daqui por diante, mesmo que ainda sofra de saudades.
Pois é, somos nós. No colonialismo, é um fato histórico: enquanto os ingleses, espanhóis e franceses passavam todo o mundo pelo fio da espada, os lusos passavam a espada em todo o mundo – e daí deu no que deu, com pouquíssima gente os portugueses povoaram um bocado de território. Mas foi divertido, confessemos: as indianas de Goa, as chinesinhas de Macau, as Angolanas e Moçambicanas, as Tupis e Tapuias e Gês e Charruas daqui. Phineas Fogg, roa-se de inveja: “A Volta ao Mundo em 80 Mulheres” é bem melhor. E até hoje acho que quando o Luís disse “Cesse tudo o que a Musa antiga canta/Que outro valor mais alto se alevanta” ele estava sendo meio maroto; o Luís era um namorador terrível, para quem não sabe, e com um único olho português ele acertava pelo menos três.  
E é aí que os institutos de pesquisa italianos queimam às escondidas o Midnight Oil  para tentar descobrir o segredo do nosso sucesso: seria o nosso bafinho de sarrabulho com um leve aroma de alho, ou o nosso sutil convite para tomar um Alvarinho gelado  e ver a lua raiar, ou o sol se por? Não vamos revelar nunca o nosso truque, mas não é bem por aí: tem que se ter em mente que saber dizer “saudades” na hora certa desarma qualquer uma, que certas técnicas secretas vão da Galícia até o Algarve e só, e o resto é mesmo segredo – discrição é o nosso lema.

*1 Sargento-Mor não era um Sargento com uma jeba enorme (se bem que no caso do Palheta não tenho certeza), mas um posto de oficial correspondente ao atual Major.
*2 Um tripeiro – categoria na qual o Micalba orgulhosamente se inclui, pois é minhoto de descendência – é alguém do Norte de Portugal, ou, mais especificamente, um portuense. O tripeiro se opõe ao alfacinha, um lisboeta ou alguém da beira do Tejo – uma criatura simpática, mas verdinha – com tudo o que isso implica.

30.10.10

RECLAMARAM QUE ONTEM NÃO TEVE POSTAGEM?

Toma duas!

29.10.10

CHORA, WILL! NO OMBRO DO LUÍS...

O saco do Luís tá que é calo só
Como dizia o Samuel...
O Micalba estava saindo do seu querido Shangri-lá quando deu de cara com uma placa do outro lado da rua: “GUSTARE – Food Service – Alimentos Finos”. Isso é que é pontaria: com uma pedrada só o cara conseguiu acertar os ovos do Dante, os bagos do Will e o saco do Luís.
Não sou nenhum Aldo Rabelo, Zeus me livre –o Micalba não vê nada de errado com certos anglicismos ou galicismos ou outros ismos; se for necessário, até enriquece a língua. Os ingleses, aliás, são mestres nisso: as palavras com raízes latinas hoje quase igualam ou mesmo ultrapassam as anglo-saxônicas. Não é, portanto, uma questão de nacionalismo nem de semântica. Placas como a que eu citei – e elas se reproduzem por aí como coelhos no Viagra – são bregas, jecas e xangai. É uma questão de etiqueta.
Conheço dois sujeitos autorizados a falar uma língua contendo elementos de todas as línguas: um era o James Joyce, que era gênio e já morreu, e o outro é o Salvatore, aquele personagem d’ “O Nome da Rosa” – que era meio idiota. Do contrário, amiguinhos, não tentem fazer isso em casa – e muito menos se desconhecerem a língua.
Só tentem colocar um nome ou uma grafia estrangeira no seu estabelecimento ou anúncio se:
1 – For uma coisa étnica, tipo pub com nome em inglês, bistrô com nome francês, etc. Nunca, entretanto, batize seu restaurante paquistanês de “Bahunchit” - porque por lá isso é um palavrão horrível. *
2 – O proprietário for estrangeiro ou descendente; vale até a quarta geração.
3- For uma piada evidente, tipo “Noca’s Bar”, “Espelunca’s” ou “Mukifo’s”.
E NUNCA, NUNCA, JAMAIS, NUNQUINHA MISTURE DOIS IDIOMAS NA SUA PLACA OU ANÚNCIO – a não ser numa tradução literal, se você quiser ser gentil com os turistas.

E só. Não tem mais.
É até bom importar uma palavra estrangeira quando se leva dois minutos para se dizer a mesma coisa em português, tipo “double” ou invés de “rifle de dois canos”. Mas “Food Service”, por exemplo, não significa nada do que o cara quis dizer: “Food Service” é um bufê, tipo o nosso comida a quilo. E não vou dizer que o certo seria “Food Emporium”, porque isso seria certo onde se fala inglês – o que não é o caso. Se o cara quer manter o nome em italiano, então o correto é “GUSTARE – Drogheria”. O que pode não ser muito bom em matéria de marketing, já que o pessoal ia parar para comprar remédio, mas pelo menos é correto. (Usei “marketing”, viram? Mas vá achar um equivalente em português numa palavra só. E você não quer que seu escreva ao invés de “Marketing”? Por exemplo, “dos conselhos de um bando de inúteis metidos a sabidos que da mesma forma que os crentes e outros maníacos acreditam que as palavras têm poder”? Comprido demais, não?). Melhor então só “GUSTARE” – o nome é até bonitinho – com o “Alimentos Finos” em letrinhas pequenas embaixo. Assim só o Dante e o Luís ficam coçando a virilha dolorida, e o Will descansa um pouquinho.
Na mesma categoria estão a “Kiki’s Shoes”, a “Bags by Bebê” a "Scarpe by Nenê" (oferecendo 50% OFF, mesmo que às vezes falte um “f”) e outras baboseiras que a gente vê nos shoppings por aí. Aposto que a Kiki, a Nenê e a Bebê são emergentes nascidas em Madureira; tivessem estudado no Dante Alighieri, no St. Patrick’s ou na St. Andrew’s saberiam melhor.
E menu bilíngüe de restaurante, então? Aí o Will sofre é com o nacionalismo, porque se o sujeito procura no dicionário de bolso e se não achar taca aspas e põe a palavra em português – um sabor exótico para os gringos. Mas explicando melhor, couve não é “couve vegetable” (nem preciso dizer que é sic), mas “collard greens” (vêm da Europa), “farinha de mandioca” não é “manioc floor”, mas “cassava flour”, ou, melhor ainda, “cassava meal”; “jaca” não é “the exotic “jaca” fruit” mas "jackfruit" (no original era "chakka"), pois ela é tão exótica para um dinamarquês quanto para um brasileiro – veio da atual Bangladesh (onde é a fruta nacional – AAAAARRRGGHHH!). Procurando bem se acha uma tradução para tudo, até para pé-de-moleque, que é muito popular no Sul dos EUA (onde se chama brittles). E de onde veio o pé-de-moleque americano, gênios tupiniquins? Da Bahia? Não: do mesmo lugar do que o brasileiro - da Mama África. E “lingüiça” é, bem, “lingüiça sausage” – à venda nas boas casas do ramo de Londres e Nova Iorque, mas só a portuguesa – a nossa não passa pela importação.
Tem também o contrário – alimentos que a gente está cansado de conhecer com o nome inapropriadamente em inglês: o famoso bolinho em pele de cupcake. E por aí vai.
Ah, já ia esquecendo: aqui em Jutucurundu tem também a “Farmácia Drugstore”, o que é quando nada uma impossibilidade física, porque dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Farmácia é Pharmacy nos EUA, Chemist na Inglaterra. Drugstore é uma farmácia mais sortida e que antigamente tinha uma lanchonete anexa – ou seja, o que sempre chamamos (e devíamos continuar chamando) de Drogaria. Bom, se Drogaria não tem lanchonete, então não é Drugstore – é Drogaria mesmo. Lógico, não?
Mas não se preocupem, porque o Will ainda se vinga (é ele quem sofre mais, talvez mais do que o Luís): eu e o Pai de Santo Micalbinha de Ziriguidum estamos fazendo uma mandinga preta e porreta para ele reencarnar, e ele vai ressurgir assim:


Chumbo neles, Will! Cry "havoc" and let slip the dogs of war!





* "Bahunchit" significa, literalmente, “Os pentelhos da sua irmã”.

FEIOS, SUJOS E MALVADOS

Eles querem o seu voto no Halloween
Não vou nem parafrasear o Vinícius, porque todo bom leitor do Micalba conhece a frase de cor e salteado. Mas vou dizer, sim: além de serem quase indistinguíveis nas propostas (propostas? que propostas?) e no discurso (ma che catzo?) ambos os candidatos ao segundo turno são assustadores: dois paus de matar urubu, duas assombrações de casarão. Ou seja: qualquer dos dois é o candidato ideal para se eleger no Dia das Bruxas.
            Não que a política seja nenhuma passarela: fora o John Kennedy, o Barack Obama, e um ou outro por aí, a maioria jamais conseguiria um lugar de galã – exceto, talvez, no cinema iraniano. Mas se o político for competente, querido e razoavelmente ético (não se deve esperar muito da espécie), acaba ficando até bonitinho, se não elegante: Churchill tinha cara de querubim meio pervertido, o Ghandi ficava uma gracinha de fraldinha, o Mandela é um charme naquelas camisas multicoloridas, o F.D.R. era muito elegante de chapéu, piteira e cadeira de rodas de palhinha, o JK parece ter nascido para um smoking ou terno bem cortado. Até o Tony Blair tinha cara de anãozinho de jardim, e o Lula parece hoje um bicheiro bem-sucedido – muito melhor do que o look bicho-papão de antigamente.
No lado oposto, a turma é de amargar: o Hitler, o Stálin, o Mussolini, o Mao, o Castrito e suas fardinhas ridículas, o penteado e os óculos escuros do Kim Jong-il, a cara do Chavez (nem precisa comentar o resto), a franja do Morales, a máscara de Botox da Cristina Kirchner, as feições de plástico da Martaxa.
Alguns nascem feios mas vão ficando simpáticos: o Jânio Quadros das caspas artificiais, do terno coçado e do pijânio era um terror, mas o prefeito que manteve São Paulo limpinha e com o transporte público funcionando era até um velhote apresentável.
Será  que é mais ou menos o contrário do Retrato de Dorian Grey, e o interior se revela aos olhos dos outros? Ou o que vale mesmo é o velhíssimo chavão: quem ama o feio, bonito lhe parece.

27.10.10

COMO A IMPRENSA FOI INVENTADA (PELO PROF. S. E. MICALBA, LENTE DE PALEANTROPOLOGIA E URBANISMO CIGANO NA UNIVERSIDADE MUI OFERECIDA DE MONTE DOS CABAÇOS, ALENTEJO)

Gleisuk foi promovido a Redator-Chefe
Na aurora da Humanidade habitavam a Terra o Niemayer, o Bento XVI e o Plínio Sampaio – e também, graças ao Grande Kazoo, outras criaturas mais simpáticas, como o Mamute, o Tigre de Dentes de Sabre e o Crocodilossauro.
Vivia então na tribo dos Neojorhnais um homem das cavernas chamado Gleisuk. Gleisuk era o fofoqueiro da tribo, e fora fofocar não fazia mais nada – não caçava, não pescava, não coletava, não sabia acender o fogo, nem fabricar implementos ou inventar  – em síntese, o protótipo do primeiro jornalista. Mas como Gleisuk gostava de comer, beber, e de se aquecer – e bem – inventou o seguinte expediente: pela manhã ele saía (era a edição matutina) e ia até o fogo dos outros Neojorhnais, e começava a contar os mexericos da tribo:
- A Gronka teve trigêmeos!
- Um bichossauro comeu o Pluk!
- O Einstuk inventou a roda!
À tardinha, quando os caçadores e coletores da tribo voltavam para a beira do fogo, Gleisuk reaparecia e contava mais fofocas – ou só requentava as da manhã. Era a edição vespertina – ou o noticiário das 8.
O pessoal até que gostava e dava a ele uns restos de carnossauro no espeto, umas peles de urso ou uma brasa acesa – e o Gleisuk ia vivendo, e bem.
O problema é que outros cavernícolas preguiçosos ficaram com inveja de Gleisuk e começaram a fazer a mesma coisa, e a vida da tribo virou um inferno. Bastava qualquer família das cavernas acender o fogo e chegava um monte de jornalistas para filar a bóia – todos falando ao mesmo tempo e dando informações contraditórias:
- Vamos ser invadidos pelos Cro-Magnon!
- Mentira! Eles são um povo pacífico, esotérico e romântico!
- Mentira sua! Quem pinta daquele jeito é capaz de qualquer coisa! Ouvi dizer que eles estão desenvolvendo armas paleolares!
- Imprensa marrom!
- Jornalista burguês!
Era um inferno – e de vez enquanto ainda piorava. Como nas eleições para chefe da tribo: tudo quanto era jornalista ficava rodeando os candidatos, aparentando um ar de angélica neutralidade, mas na verdade simpáticos a algum dos pretendentes, talvez pensando nalguma boquinha no futuro. Aí é que a coisa pegava fogo:
- A Dilka jogou um tiranossauro no Serruk!
- Mentira, foi só uma lagartixa!
- A Dilka não acredita no Grande Kazoo!
- O Serruk também não!
- Minha pesquisa dá 178% dos votos para o Serruk!
- Pois a minha dá 873% para a Dilka!
Ninguém agüentava mais.
Até que um dia o resto da tribo se retirou para o Vale Perdido para ver se se livrava daqueles chatos, mas um deles furou um buraco na muralha de pedra que cercava o vale (daí a expressão “furo jornalístico”) e lá foram eles aborrecer os outros. Já tinha passado dos limites:
- Pai, tem um jornalista mordendo a minha perna!
- Onde quer que eu vá vem um bando desses caras pintando meu retrato na parede da caverna!
- Chega!
- Basta!
E a tribo se reuniu e cobriu os jornalistas de porrada, e eles tiveram que vagar pelas plagas pré-históricas.
E vagaram, e vagaram; todos juntos porque mesmo não se suportando mutuamente não davam as costas um para o outro, cada qual se achando melhor do que os outros. Mas todos desejavam no íntimo que fossem em menor número, porque assim dava para tentar voltar para a tribo e filar um rango. E quando chegaram à Depressão de Gallup um olhou atravessado para o outro, que por sua vez rosnou para ele, e levou um olhar de esguelha de um terceiro, e deu um pontapé num outro – e daí a alguns instantes todos estavam se pegando com golpes de clava e lançadas. Foi a primeira Guerra de Audiência da História.
A Primeira Guerra de Audiência
Quando o chão já estava coalhado dos corpos dos caídos e o sangue empapava a terra um dos combatentes, Editorchefuk – um pouco mais ajuizado que os outros – subiu numa pedra e falou:
- Parem! Tive uma idéia: tem um jeito de todos sobrevivermos, mesmo sem ter que caçar ou coletar. O negócio é o seguinte: muitos de nós falando ao mesmo tempo torra os pentelhos de qualquer um. Mas de informação todo o mundo gosta, desde que nos compartimentos certinhos. Vamos então fazer assim: quando alguém acender o fogo, primeiro vai você, Manchetuk, e dá umas notícias importantes, mas curtinhas. E cada um dos outros se aprofunda num assunto, e se o dono do fogo ficar interessado, o Manchetuk chama o... chama o... o... jornalista especializado. Como cada família das cavernas se interessa mais por uma coisa – e os homens e as mulheres preferem assuntos diferentes – dá para todo o mundo comer e se aquecer.
Os sobreviventes coçaram as gaforinhas, apalparam os galos e hematomas, e concordaram. E Editorchefuk foi definindo os papéis:
- Você, Willywuk, vai ver o que o Homem de Pequim anda fazendo; você, Gillapuk, vai dar uma olhada nos Cro-Magnon. Vão ser nossos correspondentes internacionais.
Gillapuk se animou:
- Oba! Enviado especial à França! Todas as despesas pagas, Editorchefuk?
- O cacete. Essa profissão ainda vai ter que evoluir muito antes disso. Por enquanto, vá filando os jantares deles, para variar.
E Editorchefuk continuou:
- Você, Voga, vai falar das peles mais macias para as mulheres das cavernas, e dos ossos mais cobiçados para colocar no cabelo. Vai ser a editora de moda.
- Você, Janifreituk, e você, Gasparuk, vão cobrir daqui para frente os chefes de tribo e o Conselho de Anciãos. Editoria Política.
- Você, Surduk, vai ser nosso Ombudsman: o canal entre o leitor e a imprensa.
- Hein? Hã?
- Pô, Editorchefuk, o cara não escuta nada!
- Por isso mesmo.
E prosseguiu:
- Você, Josimarmeluk, vai poder se sentar no fogo sem pedir licença e comer, mas depois vai ter que avaliar se a Korga cozinha bem ou mal – vai ser crítico culinário.
E assim Editorchefuk foi distribuindo os cargos entre os jornalistas sobreviventes. Mas e o nosso herói, Gleisuk? O coitado tinha ido a nocaute depois de uma clavada na cabeça, e quando acordou e conseguiu se levantar – logo ele, o inventor de tudo – os cargos já estavam quase todos ocupados.
Mas Editorchefuk reconhecia o pioneirismo de Gleisuk, e depois de coçar a gaforinha decidiu:
- Você... você... você... vai falar de novas descobertas: o fogo, a roda, e coisa e tal. Editoria de Ciências.
A coisa até que foi bem: vinte jornalistas incomodam muita gente, mas um ou dois incomodam muito menos. O problema é que enquanto alguns se viam muito mais solicitados do que os outros – como Voga, da moda, ou a Kara, da Coluna Social – outros amargavam o ostracismo. E nenhum deles era mais esquecido do que o nosso Gleisuk, porque afinal de contas invenções realmente úteis só de tempos em tempos – ou todo o mundo já teria pensado nelas.
Gleisuk se desesperava – nada de novo para noticiar! Quando a fome e o frio apertaram, ele pensou em mentir e inventar umas novas invenções – mas o Controle Civil da Imprensa naquele época era uma coisa séria: se o homem das cavernas desconfiasse que o jornalista estava mentindo, primeiro enchia os cornos dele de pancada e depois atirava num vulcão em atividade. Era um controle primitivo, mas muito eficiente.
E então Gleisuk teve uma idéia: que tal entrevistar sobre ciências o feiticeiro da tribo e o idiota da aldeia? O feiticeiro passava o dia fumando coisas esquisitas e vivia em constante alucinação, e o idiota da aldeia adorava prever o fim do mundo nas mais diversas situações. Como todos já conheciam os dois pelo nome, não podia citar a fonte assim – ou todo o mundo ia morrer de rir e não dar a mínima atenção. Mas que tal se ele identificasse os dois apenas pela profissão? Bom, o feiticeiro não caçava, nem pescava, nem coletava – ficava o dia inteiro de bode, olhando para o céu. Então ele pode ser o... o... o... Cientista! Um cara obcecado pelo conhecimento, afinal. E o idiota? Bom, na cabeça desse só cabia uma idéia de cada vez, e ele só falava naquilo até a idéia mudar, um bom tempo depois. Vai ser... vai ser... vai ser... o Especialista! E o melhor era que como ambos não falavam coisa com coisa e no dia seguinte se contradiziam, notícia nunca mais faltou:
- Vem aí uma nova Idade do Gelo, afirma o Especialista entrevistado por este correspondente.
- Cientista declara: o mundo vai esquentar cada vez mais! E a culpa é sua!
- O estilingue vai substituir a funda? Veja o que diz o especialista!
- Lança: uma invenção obsoleta? Tudo sobre o arco e flecha.
- O fim da roda: vem aí o quadrado!
- O mundo vai acabar amanhã – e a culpa é sua também! Ouça nosso especialista.
- Filé de brontossauro faz crescer verruga no nariz, afirma Cientista.
- Coma filé de brontossauro e viva muitas luas, diz Especialista.
E os descendentes dele povoaram a Terra, e o Caos se espalhou pelo mundo.



Quem é o Samuel de quem o Micalba tanto fala? E por que?

 A pista está na foto aqui ao lado. 100 pontos a mais no teste de QI para quem responder (o Thomas não vale).

O MEU KINDLE É MENOR DO QUE O SEU – E HELENA DE TRÓIA ERA UMA MOCRÉIA!



Quarentão lendo o  Kindle
 
Como dizia o Samuel...
Jantar na casa do Thomas no domingo; num momento íntimo, ele me deu o Kindle dele para eu segurar. Na verdade, foi o segundo que eu segurei; o primeiro foi o do meu primo, o Rick. Mas o do Rick era mais velho e maior, e não tinha uma capinha tão charmosa como a do do Thomas; além disso, como o Rick é mais novidadeiro e comprou o dele muito antes; o Kindle do primo tinha muito menos textos, e só uma revista – a Time, eu acho. Assim, com o meu primo foi mais incestuoso mas menos divertido.
Bom, continuemos com as confissões sórdidas: segurei o Kindle do Thomas só um pouquinho, porque não só minha mulher e a dele andavam rondando a vizinhança como meus filhos pequenos e as duas Border Collies dele ficavam nos distraindo de vez em quando; foi, portanto, uma experiência furtiva – o que em outras circunstâncias só aumentaria o prazer. Mas o Kindle, sinto dizer, deu chabu.
A apresentação é bem legalzinha: a capa de marroquim vermelho (ecologicamente correto, suponho: deve ser feito de alguma porcaria sintética) e o elástico para fechar fazem lembrar – propositalmente, eu aposto – um Moleskine *. O tamanho é mais ou menos o mesmo: não medi o do Thomas por vergonha, mas calculo o mesmo que um Moleskine de verdade – uns 22X13 cm.
Pelo menos um terço desde espaço é ocupado por um teclado minúsculo, pelos controles e pelas bordas em plástico. Sobra uma telinha de uns 14X 13 cm., onde se pode ler (mal) um, no máximo dois parágrafos de cada vez – se não tiverem sido escritos pelo Joyce ou pelo Céline. Quanto a alguma eventual ilustração ou cartum, imagine você.
E digo ler mal porque não só as letras são muito pequenas como a tela é escura e sombria – fosse úmida também seria o cárcere de Cervantes, onde todo triste ruído fazia sua morada e todo triste gemido sua habitação. Mas o Kindle não pode ficar úmido em hipótese alguma, porque senão faz BZZZZZZ! – e adeus viola. E muito menos cair no chão com força. E tem que ser recarregado com freqüência.
Mas não quis parecer um Micalbassauro, e prometi – na hora, seriamente – olhar um treco daqueles para mim. Deus me livre de tentar ler um livro naquela geringonça, mas pensei em algumas revistas – só no texto, pelo menos. Tentar aproveitar as ilustrações só vai te deixar nervoso.
Ler revista estrangeira aqui na Botocúndia é mesmo meio sacal: se você confia na banca pode se dar mal, porque a remessa pode parar subitamente sem maiores explicações e o abate de jornaleiros é proibido pelo IBAMA, mesmo na temporada. Assinar também é outra chateação, porque ou chega com mais de um mês de atraso ou se você reclamar te mandam três exemplares idênticos do mesmo mês, mas não os dos meses subseqüentes – já me aconteceu mais de uma vez. E quando você esperneia fica assim: o correio americano põe a culpa no brasileiro, e vice-versa – enquanto você se dana. Assim, melhor ler yard by bloody yard – parágrafo por parágrafo – na semi-escuridão do que não ler nada. E lá fui eu para o Kindle Store da Amazon – que decepção!
Fiquei com inveja do Thomas porque ele estava lendo o Spectator , e assinar o Spectator por aqui não só fica numa nota preta como seus números vão sempre estar atrasados porque a revista é semanal. Mas o Spectator é, na verdade, a única coisa que presta no Kindle Store.
Vamos ver: tem algumas revistas legais por lá – a Time, a Newsweek, o Economist. Mas essas você encontra na banca da esquina. E entre ler a Forbes, a China International Business, o New Statesman (a Bíblia do vermelhinho cheio de chinfra), a Bloomberg Business Week ou a Shape prefiro antes um bom clister de pimenta malagueta com mostarda Colman.
Entrei lá procurando revistas: a New Yorker, a Field&Stream (americanas), a The Oldie (uma revista escrita para o público acima de 45 por jornalistas idem), a The Field e a Horse&Hound (estas inglesas). Não achei nenhuma. Encontrei muitos jornais, mas ler um jornal por um buraquinho de 14X13 cm. é de fazer gozar o Marquês de Sade.
E daí eu comecei a matutar, e a tomar Dry Martinis, e me veio na cabeça a frase de Goethe sobre Helena de Tróia: “Is this the face that launched a thousand ships?” (Em inglês mesmo; se você confiar no meu alemão é melhor vestir o colete à prova de balas e o pára-quedas). E de como a frase do Wolfgang é lida fora de contexto: aposto que o que ele quis dizer foi “Is this the face that launched a thousand ships?”. Ou seja, numa percepção livre do contexto: como aquela mocréia foi causar toda essa confusão?
Mais dois golinhos e analogia ficou clara: será que a porcaria do Kindle e quejandos são mesmo os sucessores do livro? Mineiramente, vos digo: se quiserem pelo menos começar a luta, vão ter de comer antes MUUUITO angu. Todas aquelas reportagens na Folha pelo menos uma vez por mês (uma na Ilustrada, outra na Informática, outra na – AAARRRGGHHH – Ilustríssima, a sucessora do – UUUMMM - MAIS!) me parecem mais do que ridículas.  
Faz umas duas, três semanas, acabei de ler Não Contem Com o Fim do Livro, uma série de entrevistas do Professore e do Carriére, antigo roteirista do Buñuel. Impossível não concordar com o Professore, que é o pai da lucidez: no máximo esses gadgets vão ser um instrumento complementar do livro, como a televisão e o vídeo e o DVD foram do cinema. Com eles, se não fosse irritar indevidamente o Professore com um pavoroso trocadilho, eu faço Eco.
Mas tem mais por aí: um Kindle não substituirá nunca um livro nem na essência nem numa série de utilidades secundárias inerentes aos livros tradicionais. Vejamos:
. 1- Não se pode matar mosquitos ou pernilongos com um Kindle. Já com um livro sou habilíssimo na eliminação de moscas, mosquitos e muriçocas: basta segurar as duas capas abertas com uma só mão enquanto se mantém um olhar vigilante no inseto. Daí é só interceptar o vôo dele entre as páginas e BOOOM! - fechar o livro. Mosquito chapuletado! (Um efeito colateral indesejado é quando o parasita já está repleto do seu sangue, e as páginas ficam manchadas. Uma boa solução é retirar o cadáver prensado do mosquito, falsificar um autógrafo e uma dedicatória e contar aos amigos que o autor e você fizeram um pacto de sangue – bem naquela página).
.2- Muito menos o Kindle se presta (com o acréscimo de uma razoável pontaria) a eliminar pequenos roedores ou insetos de grande porte, situação na qual um livro de considerável volume – digamos, as Obras Completas de T. S Eliot, os Cantos de Ezra Pound ou o primeiro volume de Guerra e Paz –é comprovadamente letal ao parasita. E no caso de uma obra perfeitamente descartável – digamos um Paulo Coelho, um Içami Tiba ou os Marimbondos de Fogo do Sarney – você pode seguramente atirar tudo – arma e cadáver da criatura - no lixo, sem sentir remorsos.
.3-Um Kindle jamais agüentaria as manchas de ketchup, mostarda, suco de limão, gordura, curry, molhos em geral, água da banheira, água do mar, água da piscina, vinho tinto, vinho branco, cerveja, whisky, cachaça, tequila, Dry Martini, álcool zulu, gasolina e água mineral que certos livros meus suportaram. Os borrões do meu Shakespeare’s Complete Works ou do meu Finnegan’s Wake são muito mais do que rastros da minha falta de cuidado: são quase uma autobiografia etílica, gastronômica e pictórica.
.4- Cinco Kindles empilhados na cabeça jamais serão utilizados  por trêfegas moçoilas da sucessora da Socila para melhorar a postura delas enquanto caminham.
.5- Três Kindles empilhados jamais equilibrariam uma mesa troncha.
.6- Se ao invés do aquecimento global chegar uma nova Era do Gelo, jamais vou poder queimar meus Kindles como último recurso.
.7- Se ao invés de legar os meus três mil volumes a um amigo ou à Biblioteca Pública eu deixar um Kindle com cinco mil títulos,  a posteridade irá me enxergar como um pão-duro.
E por aí iria, se eu já não tivesse escrito demais. Mas então quem fez inchar o Efeito Kindle? A Imprensa - é lógico. Considerando como ela foi inventada, nada mais me impressiona. Mas isso é coisa para o post de amanhã.

* Para quem não sabe o que é: os Moleskine (antônimos naturais do Kindle) são caderninhos em branco, com ou sem pauta ou quadriculados, primorosamente encadernados, presos com um elástico e feitos em papel ainda com marca d’água. Muito escritor, poeta e pintor famoso escreveu o original ou rascunhou num Moleskine; a marca era acho que francesa mas hoje é italiana. Um Moleskine geralmente pede uma caneta tinteiro de boa marca ou um lápis suíço, alemão ou tcheco. Podem ser comprados no Brasil na Cultura, na Saraiva ou – adoro esse clichê – nas boas casas do ramo. Custam caro – mas sempre muito menos do  um Kindle.

26.10.10

Agora, o Lula já pode ler o Micalba!

... coloquei ilustrações!

ENTENDA O CASO PARGENDLER – ARMENDÁRIZ


Nenhum cabelo na careca do Pargendler
    
     Deu na FOLHA: o Presidente do STJ, Ari Pargendler, teria mandado demitir um estagiário só porque o moço se aproximou demais da retaguarda dele quando Sua Excelência estava mexendo no Caixa eletrônico. O estagiário – de Direito, lógico – pôs a boca no trombone.
         Duas são as explicações possíveis: ou Sua Excelência estava irritado com o que viu na tela do Caixa – saldo bancário normalmente deprime qualquer um – ou deve-se levar em conta o fator Armendáriz.
         Olhando a foto de Sua Excelência a primeira coisa que vem à mente são uns versinhos infantis: “Não há nenhum cabelo / Na careca do Rabelo". Pois é, na do Ari também não. E todos sabem que os carecas têm um maior nível de testosterona, e portanto são mais viris. Por isso é que é dos carecas que elas gostam mais; e também porque, na hora H, a gente antes sempre põe o careca pra fora. Ou seja: careca é macho pra caramba.
         O máximo de macheza que já tive notícia aconteceu com o ator mexicano Pedro Armendáriz. Você provavelmente o deve ter visto sem saber umas duas ou três vezes, em filmes antigos (principalmente westerns), e talvez o filho dele, também sem notar – Pedro Armendáriz Jr. costuma fazer umas pontinhas em produções hollywoodianas passadas ou supostamente passadas na América Latina. Mas o filho, apesar de bom ator, é meio gordinho e nunca chegou a ser o símbolo do puro machão latino que seu pai foi um dia.

Armendáriz: Muy macho!
        Uma coisa engraçada com os atores é que às vezes eles se apaixonam tanto pelo personagem que não se consegue distinguir mais um do outro, e com Pedro Armendáriz foi assim. Esse símbolo do homem mexicano não tinha nenhuma gota de sangue indígena – seu nome completo era Pedro Armendáriz Hastings, filho de imigrantes britânicos e espanhóis, e quando jovem praticava mais teatro clássico elizabetano – Shakespeare e Marlowe. Mas para Hollywood Pedro era o machão latino por excelência – e acabou sendo.
         Mas vamos ao causo. Pedro era dirigido pelo espanhol Luís Buñuel, então exilado no México, e deveria fazer a seguinte cena: levava uma facada nas costas, lutava e derrotava o agressor, andava quilômetros e quilômetros com a lâmina espetada sem que aparentemente nada tivesse acontecido, e então encontrava uma conhecida. Devia então falar com a mulher: “Tire isso daí detrás”. *1 
         Aparentemente, o sonho de todo durão – mas Armendáriz se recusou. Exasperado, Buñuel perguntou a razão, para então ouvir:
         - “Ninguém tira nada de trás de mim”. *2 
         Pois é: para o machão empedernido, bafo quente de estagiário na nuca é mais incômodo do que facada nas costas. A reação pode ter sido meio exagerada, mas machão é machão e quem pode pode.

*1 - O filme é "El Bruto" (belo título para um machão), de 1953. A heroína era Katy Jurado, que muitas vezes em Hollywood fez a índia (ou mexicana) gostosa - em oposição à loirinha insossa.. A fala original era: "- Arráncame eso que llevo ahí detrás."
*2 - Resposta original: " ¡Yo no digo ‘detrás’!".

25.10.10

TUDO O QUE É FUMACENTO SE DESMANCHA NO AR – MARSHALL PARA PRESIDENTE


Marshall: pode ser a um real?
 Como dizia o Samuel...
Ida à tabacaria na tentativa de largar os cigarros e voltar aos charutos; comecei a fumar cigarros aos 28 porque os chatos daquele tempo implicavam só com os meus charutos – mal sabia eu o que vinha pela frente.
Se meu organismo me poupou do infarto até agora apesar do quase um maço por dia, o preço dos charutos quase me fulmina na hora: quase todos decuplicaram de preço – ou mais. Meus Montecristo no. 5 foram de 10 dólares a caixa com cinco para mais de duzentos paus; os Alonso Menendez nacionais que eu fumava no dia-a-dia também estão uma fortuna. Querem me matar de abstinência!
Na verdade, tudo começou em 1994, quando o Castrito – com o Muro de Berlim já devidamente em ruínas – criou a Habanos SA (SA pero revolucionária, Chico!), que abarcou a antiga Cubatabaco. A Habanos começou então a política de só exportar para um representante exclusivo em cada país (no caso da Europa, isso significava na maioria das vezes o mesmo representante com um nome diferente). Resultado: sem concorrência, o preço do charuto foi nas grimpas. (Sem contar o enorme dedão capitalista da Altadis malvada e imperialista no orifício da Habanos, mas aí já é demais para o leigo).
Ou seja: hoje não se traga mais o fragrante aroma das folhas de Vuelta Abajo enroladas docemente nas coxas de uma morena da Sierra Maestra (bem, coxas não muito limpinhas, porque o sabão no Paraíso Socialista é racionado, mas vá lá – dá até um gostinho extra). Pelo contrário: fumam-se (AAARRRGGGHHH!) advogados e executivos de marketing – quando a tal exclusividade apareceu, os representantes processaram todo o mundo que usava “indevidamente” a marca Habanos. Isso incluiu os verdadeiros donos das marcas tradicionais, que saíram de Cuba sem nada mais do que um pé na bunda do Castrito (indenização neca, claro) e tentaram produzir charutos alhures com o nome da própria família (a tal “marca” maldita). O nosso Alonzo Menendez, por exemplo, é o Sr. Partagas original – e acabou na Bahia. O povo implicou até com a nossa brasileiríssima cachaça Havana, que teve que virar Anísio Santiago.
Mas chega de coisas tristes; falemos de política que na melhor das hipóteses é meio ridículo.
Como nenhum dos dois candidatos prometeu nada de concreto – a não ser ir à missa todos os domingos, passar no culto depois, e não abortar (o que não deve ser difícil nem para um homem nem para uma mulher na menopausa) – vou decidir meu voto por outros critérios. Ou seja, depois de meio século de nauseante honestidade – que nunca me trouxe nada – vou perguntar: e o que é que eu levo nisso?
(Se até agora você não descobriu a conexão entre charutos e política, duas sugestões. Primeira: vá ao Google imagens e tecle: “Winston Churchill”, “Fidel Castro” – escolha as imagens antigas – e “Che Guevara”. Segundo, lembre-se da velha citação, quase clichê: “Do que este país precisa é de um bom charuto de cinco centavos”. O autor da frase foi o cara da foto, Thomas Riley Marshall, ex-presidente dos EUA, ex-governador de Indiana – que não perdia eleição).
Mas vamos lá: ao Serra não adianta pedir nada relacionado a fumo; o cara quer mesmo é que eu seja obrigado a dar minhas tragadas numa tempestade antártica, com um elefante voador com diarréia planando de anorak (para não congelar) e cagando na minha cabeça de dois em dois minutos. Vamos então tentar a Dilma:
OK, Dilminha: penteei os cabelos, pus uma camisa vermelha, piranha de estrelinha no cabelo, escovei os dentes, passei perfume do Boticário (para não sustentar os franceses imperialistas, malditos vendedores de caças superfaturados) e estou aqui ao seus pés. Vamos?
Ó Gloriosa Mãe: tudo o que peço é que tudo volte a ser como dantes. Escute os meus apelos: afinal de contas o Nosso Glorioso Líder e Pai também fuma charuto, se bem que a Imprensa Burguesa e Elitista nunca o fotografe assim – quanto vocês estão pagando pelo silêncio dos pentelhos? Deve ser mais do que eu posso, Mãezinha; infelizmente não tenho reais (mesmo tão fortes e parrudos) o suficiente para fumar Partagas bitola Churchill nem para dar Cohibas ao cachorro, como o Nosso Glorioso Grande Pai e Magnífico Líder. Sou um mero aspirante dos ideais do Socialismo Moreno, Realista e Científico; já tentei subir os degraus que levam ao Paraíso do Proletariado mas o máximo que conseguir foi escorregar da escada e esfolar o joelho. Perdoe minha falta de jeito!
O que humildemente peço, Doce, Gloriosa, Provedora, Insuperável Mãezinha, é que tudo volte a ser como dantes no quartel de Abrantes... Lembra, Mãezinha? Eu lembro, porque estava lá... Meninos, eu juro que vi!
O ano devia ser 1985 e o Micalba era um jovem engenheiro júnior da Petrossauro, lotado no que ainda era – nos estertores – a Cidade Maravilhosa. O expediente matutino do sábado tinha acabado, e o Micalba passou na charutaria para renovar o estoque.
As prateleiras estavam vazias e eu me preparei para sair quando o dono me interpelou (era um portuga muitíssimo gentil, entendido em charutos como ninguém): que eu esperasse, porque o fornecedor telefonara e ia entregar uma remessa daí a pouco.
Fiquei esperando e enquanto isso puxei papo com o Portuga, para saber quem era o misterioso fornecedor que permitia a ele vender um Montecristo no. 5 a menos de US$ 2,00 (Juro!). A resposta foi mesmo surpreendente: eram os gajos do PT, que iam a Cuba fazer cursos de terrorismo (palavras dele) e na volta traziam malas cheias de charutos, que vendiam a preços baixíssimos. E o mais incrível era que o lucro não ia para o bolso deles, mas para os cofres do Partido.
Mais uma hora de conversa, um charuto (nacional, o estoque de cubanos tinha se acabado) e para um táxi na porta: a loja era na beira de um quarteirão fechado. Sem fanfarras nem tambores nem cornetas (ainda era ’85) descem do carro de aluguel um futuro Ministro e um futuro Deputado Federal e três enormes malas verdes, abarrotadas do Ouro de Cuba – não totalmente, literalmente (tinha outras marcas também). Só uma das malas ia para o meu conhecido Portuga, que ainda regateou antes de comprar; e lá seguiram os dois Rua do Ouvidor abaixo, rebocando as malas restantes – havia outras charutarias imperialistas e burguesas sedentas de um Puro socialista.
Quem eram os dois, Mãezinha? Juro que não me lembro mais. Nem que um dos dois pusesse um colete e se pintasse de verde eu o reconheceria, juro! Nem o outro: nem se eu dissesse que eu quirs, nem se eu siquis. Mistério... Só uma coisa ainda me perturba: como dois sujeitos tão verdinhos e ecológicos suportam fumaça de charuto? Não deve fazer mal, mesmo.
Mas eu saí da loja feliz naquele dia, Mãezinha, feliz mesmo. Umas três caixas com cinco Montecristo no. 5 em cada uma e uma caixa grande de J. Cano de sobra – afinal de contas, eu vira o que o Portuga pagara no lote.
E é só isso que eu te peço, Grande, Magnífica e Excepcional Mãezinha! Uns humildes charutinhos ao preço de antigamente, quando o PT era o PT, os militantes militavam e mamãe era Vermelha. Se não puder manter os preços longe da Hidra Capitalista, façamos o seguinte: manda o Delúbio e outros que são craques em carregar mala a Cuba buscarem os charutos, que nós esperamos.
Se nada mais de certo, é hora de por o voto em leilão, ou votar no Marshall para presidente.

RESPONSABILIDADE NA POLÍTICA DE IMPORTAÇÕES – UMA PERSPECTIVA GEOGRÁFICA

A Irlanda tem uma área de 84.421 km2, e uma população (contando a Irlanda do Norte) de seis milhões e duzentas mil pessoas. Já a Bulgária ocupa 110.993.6 km2, onde vivem 7.576.751 habitantes. Ambas as nações são pobres pelos padrões europeus, se bem que tenham dado uns passinhos à frente depois que entraram na Comunidade Econômica Européia – descontada a traulitada de 2007.
A História dos dois não podia ser mais diferente, mas ambas são nações européias (ainda que da periferia) ocupadas desde a pré-história.
Nesse tempo a Irlanda deu ao mundo James Joyce, Bernard Shaw, Oscar Wilde, Flann O’Brien, Samuel Beckett, Maureen O’Hara, Gabriel Byrne, John Ford, Jonathan Swift, Turlough O'Carolan, U2, Enya, The Corrs, Van Morrison, Gilbert O'Sullivan, Sinéad O'Connor, Bob Geldof, The Cranberries, Chris de Burgh, The Dubliners, Peter O'Toole, Liam Neeson, Richard Harris, Greer Garson, Pierce Brosnan, Spike Milligan, Jonathan Rhys Meyers, Colin Farrell, e muitos mais – tive que cortar seriamente a lista, ou não cabia na página.
E isso sem contar os descendentes de irlandeses nascidos na Diáspora: dos presidentes norte-americanos, descendem de irlandeses Andrew Jackson, James Knox Polk, James Buchanan, Andrew Johnson, Ulysses S. Grant, Chester A. Arthur, Grover Cleveland, Benjamin Harrison, William McKinley, Theodore Roosevelt, William Howard Taft, Woodrow Wilson, Warren G. Harding, Harry S. Truman, John F. Kennedy, Richard Nixon (mais sangue ingles e alemão do que irlandês, o que explica bastante), Jimmy Carter, Ronald Reagan, George H. W. Bush, Bill Clinton, George W. Bush, e Barack Obama.
Mais aqui pertinho os argentinos importaram Ernesto Lynch Guevara, o Che (sempre se arrisca), Guillermo Brown e Rodolfo Walsh, e os chilenos um dos pais da pátria, Bernardo O’Higgins, e mais recentemente um bom presidente, Patrício Alwyn.

Uma irlandesa qualquer
 O resto é covardia: Gene Kelly (e a Grace Kelly também, eba!), os Clooney (Rosemary e George, sobrinho dela), os muitos Baldwin, John Huston, Leo McCarey, os Sheen, Henry Ford, John Leahy (presidente da Airbus)... até o Muhammad Ali tem sangue irlandês. E ainda fica um monte de fora.
Além disso, a Irlanda tem seis prêmios Nobel – e eu nem contei os dos descendentes.
Já a Bulgária...
O único búlgaro realmente famoso é Elias Canetti, Nobel de Literatura de 1981 – o também único Nobel da Bulgária (Canetti, um judeu universal, teve o bom senso de cair fora da Bulgária com seis anos de idade).
Miss Bulgária 2010 em trajes típicos
Na lista de búlgaros (e descendentes) famosos (?) da Wikipedia estão os escritores Chudomir, Clement de Ohrid, Constantine de Preslav, Dimcho Debelyanov, Dimitar Dimov, Emiliyan Stanev, Grigor Parlichev, Hristo Botev, Hristo Smirnenski, os atores Georgi Georgiev, Georgi Kaloyanchev, Georgi Mamalev, Georgi Partzalev, Gloria Ivanova, os políticos Boyko Borisov , Aleksandar Bozhkov, Todor Burmov, Vulko Chervenkov, Alexander Dimitrov, Filip Dimitrov, Georgi Dimitrov, Konstantin Dimitrov, Anastasia Dimitrova-Moser (haja nepotismo). E mais alguns outros nomes, todos tão desconhecidos quanto os da lista aí de cima.
Exceto dois, é claro: o revolucionário Petar Rusev, aliás Pedro Roussef, e a filhinha dele, a Dilma.

Isto (aaarrrggghhh!)...
 AGORA, REFLITA BEM: os irlandeses deram ao mundo a Guinness, a Harp, a Murphy’s, maltes excelentes, o Jameson, o Old Bushmill, os licores Bailey’s e Carolan, o Irish Coffee, e o conhaque Hennessy – a casa francesa foi fundada por um militar irlandês expatriado. A Bulgária legou à Humanidade o iogurte natural sabor azedo.


... ou este?
 Na Bulgária não mora nem vampiro: fugiram todos para a vizinha Romênia, de tão ruim que era.
Mas você pode dizer que os irlandeses e descendentes se deram bem porque falam inglês. Mentira: o Che, o Guillermo Brown, o Rodolfo Walsh, o Bernardo O’Higgins, o Patrício Alwyn e até o mexicano-irlandês Anthony Quinn falavam espanhol. Os Hennessy falam francês. O Prado Kelly falava português.
O problema, gente, é mesmo a Bulgária. Olhe a Sérvia, menorzinha e com população equivalente, e bem ali do ladinho: deu ao mundo um dos maiores cientistas de todos os tempos, Nicola Tesla, a mulher do Einstein, a matemática Mileva, Pavle Savic – Nobel de Química –, o crítico serbo-americano John Simon, os Stevenson do New York Times – pai e filho - , a rainha dos filmes B Sasha Montenegro, ex primeira dama do México. Falando em atores, os ótimos Karl Malden e Brad Dexter, um dos Sete Magníficos, e o diretor Peter Bodganovich. E ainda sobrou sérvio.
A Bulgária, meus caros, é que é mesmo o Ó do Bulrogodó.
E VOCÊS AINDA QUEREM IMPORTAR UMA PRESIDENTA DE LÁ?

24.10.10

EM 3-D! TROPA DE ELITE 3 - O CAPITÃO NASCIMENTO CONTRA A CHUPIM MUTANTE DA BULGÁRIA E O LULABISOMEM – O CONFRONTO FINAL


O Lulabisomem se consola depois do 1o. turno
 (Narração em off)... e eles já tinham dominado tudo: a Zona Nordeste era inteirinha deles, o Centro também, e só a Zona Sul ainda resistia aos vagabundos... Até o (I)BOPE era deles, tava dando 120% de vantagem para a dupla. No final sobraram só os que não eram do Sistema: eu, o General da Banda, o Coronel Saunders, o Major Major, o Capitão Furacão, o Tenente Quindim, o Sargento Tainha, o Recruta Zero e o Aspira Neves. Começamos a subir o morro cantando nossa canção de guerra:
- “Chope chope, chope geladinho! Qual é o forte mais bacana? É o de Copacabana!”
No meio do caminho dei por falta do Neves, e eu não sou um cara que deixa homem por atrás, nem homem para trás. Voltei e encontre o Aspira sentado em cima do muro, do lado da boca de fumo do Tião Beira Rio:
- Desce do muro, Neves!
- Não, 02, tô bem aqui. Fico na retaguarda apoiando ôceis, uai!
- Pô, Aspira, passou para o lado inimigo?
- Quêquéissu, sô! Que trem mais fêi di si falá, sô! Iêu, vira-casaca? Hômi...
Chamei o Aspira nos brios:
- Que apoio o que, seu fanfarrão! Não chegamos nem na metade do caminho!
- Apôi moral, sô. Tem mais de uma qualidade de apoio, uai!
- Porra, Aspira, eu sei que você é um cara valente: outro dia mesmo você deu uma surra danada no Costinha do Morro do Horizonte Esfumaçado, e agora fica aí de bisonho...
- Ié qui iêu gosto muito de aspirá, Capitão. Num tá só no meu posto: ié a minha natureza. E a Vó Leta já me dizia qui quem aspira uma vida mió num aposta em cavalo manco, principalmente se ele quiser morá nu pasto onde ocê quer construir a palhoça daqui uns tempo. O ditado é meio complicado, mas a Vó Leta era danada de sabida e eu num vô desobedecer os dito dela. Mas pó subi qui iêu fico aqui no muro, dando o mó apoio. É só mi gritá si a coisa fica preta qui iêu subo num instantim, uai!
- E se não der tempo, Aspira?
- Intonce iêu vingo ocêis, uai! Nóis minêro somo fogo numa vingança! Mais por inquanto deixa iêu aqui em cima do muro mesmo, aspirando, aspirando e vendo as muié passá...
Tive que deixar o fanfarrão para trás; eu não acreditava muito nele mas não tinha outro jeito. Ainda tentei me tranqüilizar enquanto voltava a subir o morro:
- Neves! Quanto é “um instantim” de mineiro?
- Uns quatro ano...
Quando chegamos no QG da Chupim e do Lulabisomem a situação era pior do que eu pensava: foi só nos aproximarmos que os marqueteiros começaram a soltar foguetes para avisar a quadrilha, e não eram só os dois que estavam nos esperando: eles tinham chamado o Super JD e o Delúvio, outros Supervilões do bando. Os dois tinham uma pontaria terrível e acertavam qualquer um num raio de duzentos metros com maços enormes de notas de cem, uns três golpes e o atacante desistia e aderia. Mas Caveira é Caveira, e soltamos o nosso grito de guerra:
- Operações Especiais!
Foi só o JD e o Delúvio escutarem isso e eles enfiaram os blocos de notas na cueca e voaram até a Suíça; aparentemente os dois confundiram as coisas. Melhor para nós; chamei a turma na cincha outra vez:
- Caveira!
- Gabeira!
- Que é isso, Tenente Quindim?
- Pô, Capitão, o cara é nosso aliado...
A batalha começou. Que massacre! A Chupim Mutante era invulnerável: a gente sentava o dedo e mandava bala nela, mas os tiros ou ricocheteavam no escudo de botox ou eram parados pela blindagem de silicone. O Lulabisomem era protegido por uma couraça de Tefal: quanto mais a gente esculachava ele, mais forte ele ficava. Os nossos foram caindo: primeiro o Coronel Saunders levou uma bolsada tamanho família na cabeça e se estatelou, e a Chupim Mutante cantou vitória:
- Toma, imperialista ianque!
O Recruta Zero jogou uma granada na Chupim Mutante mas tomou uma bolinha de papel no cocuruto e ficou fora de combate; e o Major Major, mesmo mais experiente, não conseguiu se esquivar de um rolo de fita crepe na careca e partiu desta para a melhor. O General da Banda e o Sargento Tainha foram fulminados pelo bafo do Lulabisomem, e o Tenente Quindim e o Capitão Furacão caíram numa poça de petróleo do pré-sal e se afogaram. Só eu fiquei.
Troquei o pente do AR-15 e conferi a carga da ponto quarenta, e me preparei para o fim; enquanto isso o Lulabisomem rugia e levantava acima da cabeça um PAC enorme para me estatelar.
Lutei o mais que pude: descarreguei o fuzil e a pistola e parti para o corpo-a-corpo, mas enquanto a Chupim Mutante fingia que ia sacar uma foice e um martelo para me acertar o Lulabisomem veio por trás e cortou minhas pernas com a Espada Bolivariana Laser do Chavez. Ainda tentei morder um dos dois, mas a Chupim jogou uma rede de Malha Fina em cima de mim e eu fiquei no chão, me sentindo mais indefeso do que sigilo bancário de tucano e mais vulnerável do que vale amazônico inundado por hidrelétrica.
O fim estava chegando; fechei os olhos e esperei a luz no fim do túnel, mas só senti o bafo metílico e etífico do Lulabisomem:
- Naaascimeeeeento... Venha para o lado escuro da Força Sindical... Sinta o poder que emana da Estrela Vermelha...
- Não, nunca! Caveira para sempre!
- Só o Lado Escuro da Força pode te salvar, Nascimento... Só ele tem o poder de trazer ELA de volta...
- Quem, minha ex-mulher? Dane-se!
O Lulabisomem respondeu com uma voz soturna e cavernosa:
- Não é a sua ex-mulher, companheiro. É ELA... ELA mesmo... a... a... EMBRAFILME!
Indaguei incrédulo, o sangue se esvaindo das minhas extremidades:
- A EMBRAFILME... minha adorada... mas ela... morreu!
A voz do Lulabisomem era como um acalanto vindo do inferno:
- Morreu... Mas pode ressuscitar. Junto com a ANCINE, a ANCINAV e o Comitê de Aprovação do Tom da Imprensa Burguesa Elitista e Reacionária... Pense bem, Nascimento: nunca mais ter que mendigar dinheiro para a produção... Nunca ter que mencionar as coxinhas grátis do Bar do Noca nos créditos... Milhares, milhões de reais na sua mão com um simples requerimento em doze vias e trezentos carimbos... Mole para qualquer despachante com os parentes certos, descontados trinta por cento para o Partido.... Pense: não ter que se preocupar se o público vai pagar ou não, se vai assistir o filme ou vomitar... A liberdade do Glauber Rocha... dos Barreto... Tudo na mãozinha... Tropa de Elite 4 em 3D... Um clássico do realismo fantástico... Esqueça o Oscar... o Urso de Ouro... o Abacaxi de Prata... a Palma de Molibdênio... os Kikitos... É só dizer sim... sim...sim... SIM...
Desmaiei entre o sim e o não.

NÃO PERCAM EM 3D! TROPA DE ELITE 4: O GENERAL NASCIMENTO CONTRA OS TUCANOS ASSASSINOS E A ELITE DEPRAVADA! BREVE NUM VIDEOCLUBE PIRATA PERTO DE VOCÊ: ALUGUE “DILMA, A NETA DA LUTA” E GANHE UMA LOCAÇÃO GRÁTIS, INCLUINDO UM CRÉDITO DE R$ 4,00 NO EMPÓRIO DE TRACUNHAÉM!

23.10.10

Alguém não entendeu o que era Maui Uau...

 
Maui...


... certamente porque, ao contrário do Micalba, não é do tempo em que os pterodáctilos voejavam no horizonte...

Pois bem: "Maui" vem da ilha havaiana onde antigamente não se plantava só abacaxi, e "Uau" descreve razoavelmente bem o efeito de um cigarrinho na mente humana. Era popular nos

Uau!

anos 80, na Inglaterra pelo menos.
Sacaram?

 

Tropa de Elite 2 - A Repetição

Como dizia o Samuel, saída ontem com Madame Micalba para assistir “Tropa de Elite 2”. Fora uns cabelinhos brancos, o Capitão (ou Coronel) Nascimento não envelheceu nada: até a geladeira dele continua a mesma. Mas quer saber? Repassando o clichê, gostei mais do outro. Para começar, a apresentação: tinha de passar o nome de todo o mundo que deu um real para a produção antes do título, até do Bar do Noca? Coisa de pobre, sô. O amigo do mocinho também ficou bem pior: de deputado defensor dos direitos humanos com “sutaque” já andamos meio cheios. Além disso, o cara é um tremendo f.d.p., pois mesmo sendo deputado deixa a mulher esfolar o Nascimento na pensão. Se não é assim, porque o Nascimento continua morando naquela quitinete rastaquera, com soldo de coronel?
A narração em off é um pé no saco, a pergunta “mas ele morre no final” (como por aqui todo mundo já assistiu o filme, vamos) tem uma resposta mais do que óbvia: nem o mais idiota dos terroristas ia atacar alguém com duas equipes atirando em direções opostas, né? Ou intão ium matava o ioutro e o ioutro matava o ium, raios! Então uma das equipes é a cavalaria, súcia de papalvos!
Mas o que faltou mesmo foi um bom vilão, com uma vilania diferenciada, malvada, malévola, cruel, perversa, desumana e pérfida. Político vilão já não assusta ninguém por aqui; convivemos com eles desde que expulsamos o Pedro II. É como assistir o noticiário no cinema; não tem graça. Talvez o Padilha devesse aprender com Hollywood e contratar um ator inglês; eles saem mais baratinho do que os americanos e dão ótimos malvados. Quem não se lembra do Alan Rickman no primeiro “Duro de Matar”? Ou do super-hiper-mega perverso Hannibal?
Tá aqui a minha idéia, Padilha: se fizer o “Tropa de Elite 3”, incremente os vilões. O Baiano do primeiro “Tropa” estava bom, mas os outros são de lascar. A gente nem saiu do cinema e já esqueceu o nome deles, porque dentre outras coisas é vilão demais. Tente uma coisa diferente: que tal zumbis? “Traz o saco, Matias! Matias! Matias! Porra, cê ta imundo, cara! E fedido! E por que essa bocona aberta? E para de repetir “Cérebro! Cérebro!” sem parar, cara! Tá dando nos nervos! Peraí, Matias: você não tinha morrido no segundo filme? Pára de me morder, Matias! Tu é um fanfarrão! Matias! Matias!"
Pensando bem, zumbi anda meio batido. Que tal extraterrestres? Supervilões? Criaturas mutantes?
O que me dá a idéia do post de amanhã...

22.10.10

Bata três vezes, e...

Meia noite no cemitério sombrio....
Som de passos nas folhas secas, um leve sussurrar do vento nos ciprestes – e a pentelha da coruja do oco piando sem parar.
O som dos passos se aproxima da minha lápide: pés femininos, tênis Nike, tamanho 36... raios, é a Mrs. Macleod Mytton outra vez.
- Doutor... Doutor...
- Você fala isso só para me irritar, não é? Sabe que me odeio que me chamem assim.
Risada abafada, e...
- É mesmo?
- É, fif. E precisava trazer tantos gatos?
- Eles simplesmente me seguem. Não quer adotar uma cadela dálmata?
- Dentro de um túmulo? A bichinha ia sofrer de claustrofobia. Além do mais, já tem uma Jack Russel cega aqui. Só que ela é tão preguiçosa que não sabe se está viva ou morta – como eu.
- Ressuscita, Micalba.
- Para que? Ninguém me lê, mesmo. Larguei esse blog para escrever um livro, achei um agente, mas de editor... necas. Vá cuidar do Odisseu, que ele merece mais. Me deixa dormir.
- Mestre... Mestre... Mestre...
- Pronto! Me chamou três vezes, tenho que responder. Sua insuportável! Só porque você é imortal não precisa cutucar os outros mortos-vivos. Já não deixei para o Odisseu meus Great Books em vida?
- Não é nada disso, Mestre. É que no segundo turno todo o mundo espera que o Micalba ressuscite...
- Para que? Já deixei minha resposta clara no primeiro turno: Dilma , Serra, Marina, Plínio. Qual dos quatro cavaleiros do apocalipse você acha mais simpático?
- Nós esperávamos mais de você, Micalba.
- Ta bom: quando me aposentei, me tornei corruptível. Que incentivo você me oferece?
- Leitores éticos, e...
- Ora, vá se catar. Fala sério.
Longo suspiro acima do túmulo, e...
- Tá bom. Uma garrafa de Glenmorangie.
- Melhorou. Mais alguma coisa? Fumaças politicamente incorretas, sabe?
-Hã.. Cem gramas de Maui Uau?
- De onde saiu essa oferta? Do museu? Bom, serve uma caixa de charutos...
- Partagas?
- Melhor:Romeo y Julieta, bitola Churchill. Afinal de contas, eu adoro o cara.
- E... algo mais?
- Leitores. Vocês me arrumam, eu saio daqui. E baforejo anos de depressão versus anos de repressão, que é o que vocês querem no fim das contas.
Hesitação...
- E aí, vai encarar?
- ...
- É só por na lápide que eu repenso... Mas me arrume mais leitores: você e Mr. Odisseus conhecem um monte de gente com cérebro...
- Vou pensar...
E ficamos aí. Não perca o próximo capítulo.